Tráfico de informação
O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, não sai das manchetes nesta sexta-feira, dia 20.
Mas há uma diferença no noticiário em relação aos dias anteriores: aparentemente, a informação de que sua empresa de consultoria prestou serviços muito bem remunerados a vinte clientes, foi fornecida pelo próprio ministro.
Pelos serviços prestados a esses vinte clientes, a empresa do ministro faturou R$ 20 milhões em 2010, ano eleitoral, o que lhe teria permitido multiplicar por vinte o patrimônio pessoal.
Afora a curiosa repetição do número 20, o noticiário traz também uma novidade: não se percebe aquela avalanche de declarações de políticos oposicionistas, como aconteceu em denúncias anteriores contra integrantes do governo.
Outra diferença em relação a outras histórias: a imprensa tenta, mas não muito, descobrir os nomes das empresas que teriam sido responsáveis pelo fabuloso sucesso empresarial de Antonio Palocci.
Normalmente, o noticiário ataca os personagens do setor público envolvidos em casos suspeitos mas não demonstra esforços para expor as empresas privadas envolvidas.
No caso do ministro da Casa Civil, o processo de blindagem realizado pelo governo é facilitado pelo desinteresse da oposição em alimentar o fogo.
Provavelmente, o noticiário teria amainado nesta sexta-feira se o próprio ministro não o tivesse alimentado com as informações que forneceu ao preparar um relatório a ser enviado à Procuradoria Geral da República.
Quase tudo que os jornais publicam tem essa origem.
Mas o “vazamento” de uma informação desse tipo só ocorre quando interessa a quem detém essa informação.
Palocci contratou uma grande empresa de relações públicas e assessoria de imprensa para administrar a crise.
Em casos como esse, normalmente os consultores recomendam oferecer alguma informação inofensiva para distrair a imprensa, enquanto se procura isolar os fatos eventualmente negativos.
Até mesmo a declaração de que “ex-ministros têm grande valor no mercado” deve ter sido parte dessa estratégia. A frase é uma tradução politicamente correta de “tráfico de influência”.
Agências de comunicação conseguem controlar rapidamente crises desse tipo porque sabe-se que a imprensa tem atualmente uma capacidade de investigação muito reduzida.
E sabe-se também que, assim como a oposição, a imprensa não quer discutir certos assuntos, como o que movimenta o noticiário em torno do ministro, porque também vive de traficar influência.
O perigo dos jargões
Alberto Dines:
– Escrever bem é pensar bem. Quem tirou este ditado do esquecimento foi, aparentemente, o grande jornalista e exímio prosador mineiro, Otto Lara Resende. Erro de concordância além de doer nos ouvidos, atravanca o pensamento, trava a comunicação. Cria ruídos, comunica erradamente.
É bem-vinda e salutar esta polêmica sobre a correção da linguagem motivada pelo livro do Ministério da Educação que sugere uma indulgência com os erros de gramática. Este contencioso é um dos melhores serviços que a imprensa pode prestar à sociedade.
Mas se a imprensa está efetivamente empenhada em levar adiante a pendência, conviria que examinasse o seu próprio desempenho como ferramenta para a divulgação das normas cultas.
Não podemos deixar de reconhecer que a mídia impressa escreve mal, nosso rádio e nossa TV expressam-se pior ainda. São muitas as exceções, mas também muitas são as comprovações da regra. Nossos blogs repousam nos impropérios e o twitter – como sentenciou José Saramago – está próximo dos grunhidos.
Acontece que estes grunhidos muito em breve poderão constituir um jargão. Este é o perigo porque o jargão é uma “linguagem viciada, disparatada” segundo o dicionarista Antonio Houaiss. O jargão, na verdade, é uma sub-língua que pode até ser reabilitada e requalificada, mas isso leva séculos. A reversão só acontecerá quando este jargão for capaz de produzir uma literatura e expressar idéias abstratas. Cabe à mídia, tanto impressa como falada, evitar que o idioma se transforme em jargão, ela – e não o governo – será a sua primeira vítima.