Isolando o assunto
A revista Época desta semana se comporta como o craque Lionel Messi, da seleção argentina, que em muitas ocasiões, no jogo contra a Nigéria, conduziu a bola com maestria, entrando na área, mas não conseguiu fazer nenhum gol.
Numa reportagem de quatro páginas, a revista apresenta um estudo inédito do Banco Mundial sobre a sustentabilidade da economia brasileira.
O trabalho tem pouco texto e muitos gráficos, como se faz quando a edição tem um objetivo didático.
Há fartura de informações, mas a reportagem fica isolada do resto da revista, como se a questão da sustentabilidade devesse permanecer num gueto editorial.
Na mesma edição, Época oferece também uma rápida visão do desenvolvimento econômico do Brasil, com o surpreendente crescimento do Produto Interno Bruto no primeiro trimestre, e uma tentativa de antecipação do lançamento de duas das principais candidaturas à Presidência da República, ocorridas no final de semana.
Em nenhum momento o estudo sobre a sustentabilidade da economia brasileira é confrontado com os números do crescimento econômico e com os planos dos candidatos à Presidência.
Assim, o esforço da revista em conscientizar seus leitores sobre a necessidade de buscar um modelo mais limpo e ambientalmente correto de desenvolvimento fica desconectado da realidade econômica e dos compromissos dos candidatos.
Há cerca de três anos, desde quando foi divulgado o 4o. relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, a imprensa brasileira vem se interessando progressivamente pela questão ambiental.
Cadernos especiais, seções, suplementos e colunas sobre o tema proliferaram em jornais e revistas, mas em geral o desafio da sustentabilidade fica restrito a esses espaços específicos como faz a revista Época em sua presente edição.
O estudo do Banco Mundial, valioso pelo conteúdo e por explicar didaticamente em que setores o Brasil deve investir para continuar crescendo e ao mesmo tempo reduzir seu impacto no aquecimento global, teria melhores efeitos se estivesse associado ao noticiário sobre o desempenho da economia.
Também seria muito útil se a revista tivesse levado o tema aos candidatos à Presidência da República, cobrando deles uma posição oficial sobre esse desafio.
Da maneira como a reportagem foi isolada na revista, equivale a conduzir a bola até a entrada da área e chutar para fora.
Vestindo a camisa
Alberto Dines:
– ‘Fechado pela Copa’ (‘Cerrado por fútbol’) esta é a placa que o escritor Eduardo Galeano prende na porta da sua casa cada vez que começa um Mundial. O uruguaio não veste camisas, não torce por ninguém, torce pelo jogo e não quer saber de outra coisa (conforme publicou no sábado o diário espanhol, El País). Autor do celebrado Veias abertas da América Latina e outros 40 títulos, o escritor é tão fanático que até já escreveu um livro sobre o esporte-rei, O futebol ao sol e à sombra. Galeano e alguns privilegiados podem permitir-se o luxo de não torcer, apenas vibrar: ‘Cada vez me importam menos as camisas dos jogadores, estou interessado no jogo bem jogado’, disse. O grande publico discorda, durante a Copa todos querem que a imprensa vista a camisa, tome partido, mostre suas preferências. E, sobretudo, torça. Como se sabe, isto não é complicado. O que não se pode é misturar os canais: na cobertura do Mundial vale o vale-tudo mas nas outras coberturas é preciso obedecer à estrita neutralidade. Foi isso que o presidente Lula cobrou ontem pela manhã no lançamento oficial da chapa Dilma-Temer. Galeano tem razão no seu desengajamento em favor do futebol-arte e Lula teria toda a razão ao reclamar da parcialidade da mídia em favor da oposição se ele, como Chefe do Governo e Chefe da Nação, mantivesse um certo distanciamento no período eleitoral. Além das cinco multas que lhe foram aplicadas pela Justiça Eleitoral – um recorde – é discutível a alegação de que num domingo pela manhã o presidente é pessoa física e pode torcer para quem quiser. O recente Acordo Nuclear com o Irã aconteceu num domingo em Teerã mas quem o assinou foi o Presidente da República, função full-time, em tempo integral. De qualquer forma é mais do que bem-vindo o apelo para que a campanha eleitoral seja mantida em alto nível como um belo espetáculo. Exatamente como querem Eduardo Galeano e todos nós.