O projeto ficha limpa
Aprovado na Câmara dos Deputados na terça-feira, o projeto de iniciativa social que amplia restrições para a candidatura de cidadãos a cargos públicos com ficha criminal pendente espera tramitação no Senado, sob uma chuva de suposições a serem confirmadas.
A primeira informação, que circulou ainda na terça, logo após a votação na Câmara, dava conta de que as lideranças do Senado haviam acertado que o projeto deverá passar sem novas alterações, possivelmente ainda a tempo de valer para as eleições deste ano.
O tema finalmente ganha espaço na imprensa, mas a soma de todas as notícias publicadas nesta quarta-feira não permite ao leitor assegurar-se de que o projeto é vencedor.
Portanto, o movimento social que empurrou a proposta para o plenário do Congresso ainda não pode relaxar.
Segundo o Estado de S.Paulo, a bancada governista vai usar o projeto como moeda de troca para apressar a votação do pacote de projetos que regulamentam a exploração das reservas de petróleo na camada de pré-sal do Oceano Atlântico.
Citando representantes do governo e da oposição, o Estadão informa que nenhum dos dois grupos políticos se manifesta abertamente contra a proposta, mas dá a entender que um tenta empurrar para o outro o ônus da impopularidade que poderá resultar de eventual atraso ou da rejeição do projeto.
A urgência na votação se justifica pelo fato de que, para ter validade ainda nas eleições deste ano, o projeto precisa receber aprovação final até o dia 6 de junho.
Especialistas ouvidos pela imprensa têm discordado dessa tese.
Alguns alegam que as regras eleitorais têm que ser aprovadas um ano antes, mas outros juristas dizem que não é o caso do projeto Ficha Limpa, porque este não altera o processo eleitoral, apenas torna mais rigorosa a seleção dos candidatos que podem ser registrados.
O Globo preferiu fazer uma manchete de duplo sentido, tentando induzir o leitor a pensar que o governo federal é contra o projeto, mas no interior da reportagem fica claro que em todos os partidos tem havido restrições.
A lei só está passando, sete meses e meio depois de proposta, por causa das pressões da sociedade.
Vigilância permanente
A imprensa parece ter entrado no jogo apenas agora, e mesmo assim a leitura de apenas um dos jornais de circulação nacional não garante um bom entendimento do caso.
A Folha de S.Paulo, por exemplo, afirma que, mesmo se transformando em lei, a proposta terá pouca eficácia, porque os parlamentares têm foro privilegiado. Eles são julgados por instâncias superiores da Justiça.
Com base nessa premissa, o jornal conclui que apenas 1 entre 110 políticos seria atingido pela restrição.
Há quem considere que barrar 1 entre 110 candidatos já seria algum controle.
Além disso, a reportagem da Folha está considerando apenas as tentativas de reeleição, enquanto a proposta visa evitar justamente que cidadãos com conduta criminosa usem a política para escapar da Justiça ou para protelar o julgamento.
Segundo a Folha de S.Paulo, o ex-governador Paulo Maluf, que pretende se candidatar novamente a deputado federal, é o único político paulista que teria a candidatura barrada com a nova lei, porque já foi condenado por um órgão colegiado.
Maluf responde a pelo menos uma dezena de outros processos e não pretende desistir da candidatura.
A Folha, que gosta de infográficos e quadrinhos, lembra seus leitores o que diz o projeto: ficam impedidos de registrar a candidatura os condenados por decisão colegiada, ou seja, a restrição não vale para as condenações de um juiz apenas; a restrição vale até oito anos após o fim da pena, mantendo a inelegibilidade nesse período; o que torna inelegível é, além dos crimes eleitorais, crimes contra a administração pública, a economia popular e o patrimônio público, contra a fé pública, contra o mercado financeiro, tráfico de entorpecentes, estupro, homicídio, crime contra o meio ambiente e a saúde pública; quem renuncia para evitar cassação fica impedido de se candidatar novamente.
Ainda que seja considerada imperfeita por alguns analistas, a proposta representa um passo importante para impor alguma restrição ao livre trânsito que se observa até aqui, de cidadãos que migram diretamente da vida criminosa para a vida pública, quando não fazem da própria vida pública uma carreira de crimes.
Os jornais parecem finalmente interessados no projeto, a julgar pela quantidade de reportagens e pelo destaque dado ao tema nesta semana.
Mas a proposta só vai virar lei e vigorar já para as próximas eleições se a sociedade mantiver a pressão sobre o Congresso e a imprensa.