A imprensa e a economia bipolar
Depois da passagem da cavalaria ligeira, que foi como saudou a revista Veja o anúncio da intervenção do governo Bush no epicentro americano da crise financeira global, o desânimo e o pessimismo voltam a dominarn o noticiário.
Os outros países ricos se recusam a acompanhar a política dos Estados Unidos e os emergentes fingem que o problema não é deles.
A frase do presidente Lula, quando lhe perguntaram sobre a crise, repercute na imprensa internacional: ‘Crise? Perguntem ao Bush’, disse o presidente brasileiro.
E a imprensa lhe cobra ao menos a gratidão pela ajuda financeira que o Brasil recebeu há dez anos dos Estados Unidos.
Mas a julgar pelo noticiário de hoje, não parece que solidariedade seja um valor apreciado na economia globalizada.
O anúncio do governo americano de que vai socorrer as instituições financeiras sob maior risco para evitar o agravamento da crise não encontrou apoio nem nos seus principais parceiros de negócios.
Governantes da Europa e da Ásia consideram que medidas como as adotadas pelo governo Bush não são necessárias.
E analistas avaliam que são insuficientes para evitar a recessão nos Estados Unidos.
As medidas anunciadas na sexta-feira, que transformaram o pânico da semana em um curto perído de euforia nos mercados, agora enfrentam as críticas da oposição democrata no Congresso americano.
O que era alívio volta a se transformar em apreensão.
O noticiário vai se desenrolando diante dos olhos dos leitores como uma novela sem fim.
E o leitor atento se pergunta: será que a imprensa não tem outros recursos que não sejam reproduzir declarações, depois desmentir declarações, embarcar na euforia ou na depressão do mercado, sem questionar quem diz o que, quem anuncia o apocalipse ou a redenção final?
Salvo um ou outro articulista, o noticiário ainda não esclarece, de uma vez por todas, que os bancos que agora vão à bancarrota são os mesmos que ditaram as regras de políticas econômicas por aqui durante muito tempo.
E muitos dos analistas que hoje denunciam a irresponsabilidade na concessão de créditos são os mesmos que celebravam a farra financeira há poucos meses.
A popularidade de Lula
Por aqui, o presidente da República comemora mais uma pesquisa na qual se revela sua popularidade ainda em ascensão.
O governo de Lula alcançou 68,8% de avaliação positiva, segundo o levantamento CNT/Sensus, e a avaliação pessoal do presidente subiu para 77,7% de aprovação.
Os números, segundo os autores da pesquisa citados pelos jornais, revelam que a população brasileira, de modo geral, está satisfeita com o desempenho da economia e percebendo o efeito das políticas sociais.
Os jornais parecem aceitar como rotina os resultados de pesquisas que mostram a escalada da popularidade do presidente.
Nenhum dos grandes diários deu grande destaque à mais recente avaliação, e apenas a Folha de S.Paulo deu atenção ao fato de que Lula aparece como a maior influência sobre os votos nas eleições municipais de outubro.
Segundo a pesquisa, mais de 44% dos entrevistados admitiram que votariam no candidato apoiado por Lula.
A imprensa deveria dar mais atenção a esse fenômeno.
Em primeiro lugar, porque a aprovação popular não significa que o governo acerte sempre, ou que os acertos que garantem a popularidade sejam uma estratégia válida para o longo prazo.
Por outro lado, o descolamento entre a figura do presidente e o seu governo começa a aparecer em números consideráveis, o que indica uma tendência à personalização do chefe do Estado, acima de seus ministros e separado do seu partido.
Ao mesmo tempo, o resto do noticiário revela a persistência de problema socais graves, que a celebrada política econômica não consegue amenizar, como a violência nas zonas dominadas pelo crime organizado.
A popularidade do presidente, claramente baseada na maior capacidade de consumo constatada pelos mais pobres e pela estabilidade que proporciona tranquilidade aos mais ricos, não é garantia de que tudo vai bem.
Onde as coisas vão muito mal, nem a polícia consegue entrar. Muito menos os pesquisadores e suas planilhas.