Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A escalada do desencanto

Roberto Pompeu de Toledo em sua coluna regular na revista Veja costuma produzir textos que não trazem marcas evidentes de torcida por nenhum partido político. Sugere sua escrita isenção e um autor razoável, na boa tradição mineira de serenidade e fair-play. Quem o apreciar menos generosamente pode encontrar dotes de raposa mineira, o dom de dizer as coisas nas entrelinhas, de argumentar com fina ironia, mas geralmente sem sarcasmo. Delas serviu-se faz poucos anos para criar todo um livro a comparar Celso Furtado e Roberto Campos, e ao que se tem notícia ambos os homenageados ficaram satisfeitos e lisonjeados…

Não é o caso da matéria incluída na edição atualmente nas bancas (Veja 1.951, de 12/4/06). Em ‘Flutua, astronauta, flutua’, Roberto Pompeu deixa-se arrastar pela escalada do desencanto em torno das realizações do governo Lula. Longe de mim a pretensão de ter qualquer conhecimento do assunto espacial, mas aqui não contesto nenhum doutor na matéria, e uma mera juntada amadora de informações revela incoerências na argumentação de Roberto Pompeu. Ele toma um dado da participação da Agência Espacial Brasileira no programa internacional russo, o custo de 10 milhões de dólares, e põe-se a sofismar.

Mais justo

Teria sido mais honesto explicar o contexto: no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997, a AEB comprometeu-se com a Nasa a investir 120 milhões de dólares no programa da ISS, a International Space Station (Estado de S.Paulo, 9/4/06, pág. A30). Seguiu-se o acidente com o ônibus espacial Columbia, pelo que o astronauta brasileiro Marcos Pontes ficou sem lugar na fila dos astronautas. Por cima disto o bisturi do ministro Palocci podando as verbas. Para não matar de vez o programa espacial brasileiro, a solução conciliatória foi o Brasil participar da empreitada internacional russa, que alias incluiu um piloto americano.

Roberto Pompeu é observador. De fato a cobertura televisiva da viagem exibiu Marcos Pontes sempre flutuando na cabine da espaçonave, e isto lembra cenas de cinema e teatro. Como Carmem Miranda, tem algo de espetáculo. Mas daí a chamá-la (a cobertura) de marqueteira, de coisa de Duda Mendonça, já é torcida. Afinal considerar malandra a gravação feita em ambiente de perda da força de gravidade numa viagem dessas é como reclamar porque fulano deixou-se fotografar diante do Pão de Açúcar.

Mal humorada e tendenciosa é a comparação com Paulo Coelho a propósito da exclamação do astronauta encantado a contemplar a visão que tinha de seu país em conjunto lá de cima. Para um leitor exigente como Roberto Pompeu de Toledo, naturalmente o autor de O alquimista não passa de um criador de êxtases sem substância, morninhos. Não seria mais justo reconhecer o enlevo de quem tem oportunidade de enxergar o Brasil todo de uma vez, três vezes por dia, dada a extraordinária velocidade do veículo em que viajava?

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Dirigente de ONG, Bahia