Pandemia da corrupção
A semana jornalística encerra-se com mais uma hiper-mega-super-extraordinária enchente em São Paulo, causada, como sempre, por um volume de chuvas que superou em muito a média para este período do ano, em função de um fenômeno chamado de aquecimento global, que parte da imprensa desconfia que não existe.
Tem também, claro, a nova safra de escândalos e o rescaldo de alguns escândalos anteriores, embora aspergidos seletivamente pelas páginas dos diários.
E para os incrédulos de toda sorte oferece-se, na página 2 da Folha de S.Paulo, o costumeiro artigo do senador José Sarney, no qual o impoluto imperador do Maranhão fala sobre a “pandemia da corrupção”.
Ao contrário do que poderiam imaginar algumas mentes maldosas, Sarney fala contra a corrupção.
Certos detalhes do chamado “mensalão do DEM” só são visíveis em notas curtas, como a acusação de que o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, andou distribuindo dinheiro para jornais de Brasília.
A notícia da aceitação de denúncia contra o senador Eduardo Azeredo no Supremo Tribunal Federal, por conta do chamado “mensalão tucano” ou “mensalão mineiro”, mistura-se a referências ao “mensalão federal”, ou “mensalão petista”.
Quando chega às páginas de histórias em quadrinhos, o leitor fica com a sensação de que acompanha um enredo em que faltam mocinhos e sobram bandidos.
Seria um jogo perigoso apostar quais dos três escândalos mais em evidência na imprensa vão resultar em condenação dos envolvidos.
Mas pode-se cravar com muita segurança que em nenhum deles se verá a Justiça mandando para a cadeia o corruptor.
E, se o leitor observar atentamente, vai constatar que em todos os casos o esquema é o mesmo: empresas interessadas em fazer negócios com o setor público contribuem para campanhas eleitorais, regularmente e pelo caixa 2, e depois cobram sua parte em contratos privilegiados, com licitações fraudadas ou contratos irregularmente requentados.
Ora, se tudo isso é sabido desde os tempos de Nabuco, como diz o senador Sarney, por que os jornais não se dedicam a cobrar uma reforma que estabeleça controles mais eficientes nas relações do setor privado com o dinheiro público?
Quando quer, a imprensa sabe produzir resultados, como aconteceu com a extinção da obrigatoriedade do diploma de jornalista e o fim da lei de imprensa.
Por que, então, essa leniência com a fonte da corrupção?
A imprensa fala de si
Alberto Dines:
– Ontem, nos principais jornais do país, havia cinco matérias da maior importância sobre imprensa, jornalismo e mídia, sem contar as veementes cartas de leitores da Folha a respeito do lamentável texto de Cesar Benjamin a respeito do presidente Lula. O historiador americano Kenneth Maxwell na Folha tratou da crise enfrentada pelos grandes jornais do seu país. No Correio Braziliense da Capital Federal, quase uma página sobre a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado de uma emenda à carta magna que voltará a tornar obrigatório o diploma para o exercício do jornalismo. No caderno de economia do Estadão três notícias da maior importância sobre às drásticas alterações que estão se processando no mundo da mídia: no Brasil a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara aprovou uma lei permitindo que as telefônicas transmitam o conteúdo das TVs por assinatura. Será uma revolução caso venha ser aprovada pelo plenário. E outras duas bombas: o Google cedeu à pressão e avisa que controlará o acesso ao material originalmente publicado em jornais. Enquanto o mega-empresário Rupert Murdoch aumenta a pressão para convencer a indústria de mídia a cobrar pelo conteúdo de parte do que se veicula pela Internet. Conclusão: a mídia virou notícia. Definitivamente. E estas notícias só não vão para a primeira página porque este noticiário não está sendo devidamente explicado ao público. Pergunte-se a um usuário de celular se ele não gostaria de assistir na telinha à programação do seu canal a cabo. Ele vai delirar, óbvio. Porém, ele não se manifesta porque o assunto não chegou a ele e só chegará quando o fato estiver consumado. A verdade é que os meios de comunicação não gostam de comunicar a própria comunicação.