Crônica da destruição anunciada
A menos de dois meses da reunião em Copenhague, o Brasil ainda não tem noção do que irá apresentar à Conferência das Nações Unidas sobre Clima. As propostas dos vários grupos de trabalho misturam-se, no noticiário, com especulações de ativistas, opiniões controversas de especialistas e o intenso lobby das forças políticas e econômicas contrárias ao aumento do rigor na defesa do meio ambiente.
Enquanto isso, a bancada ruralista no Congresso Nacional prepara um ataque aos interesses brasileiros, armando o desmanche da legislação de proteção das florestas.
Não são poucos os inimigos do futuro.
A colheita de reportagens e notas nos principais jornais revela, por exemplo, que os esforços para preservar as áreas de restinga são bombardeados dentro do próprio governo, pelos ministros da Agricultura e do Turismo.
Pelas regras atuais, segundo lembra o Estadão, é considerada área de preservação permanente a faixa de restinga de no mínimo 300 metros em direção ao mar, contados do ponto mais alto que a maré alcança.
É nesses trechos que se concentram processos importantes da reprodução da vida marinha.
Por pressão de ambientalistas, o Conselho Nacional do Meio Ambiente cortou uma tentativa de contrabandear um artigo de resolução que acabava com a proteção dessas áreas
Mas os inimigos do patrimônio ambiental não descansam: o mesmo Estadão desta quarta-feira informa que dois juízes federais de Santarém, no Pará, autorizaram pecuaristas a continuarem criando gado dentro da Floresta Nacional de Jamanxin, uma das florestas públicas mais afetadas pelo desmatamento.
O Ibama e o Ministério Público Federal entraram com recurso na segunda instância do Judiciário, mas todo esse procedimento joga a favor dos destruidores da floresta.
E o que isso tem a ver com a imprensa?
Bem, os jornais poderiam intensificar a cobertura das manobras no Congresso, denunciando o plano dos ruralistas de desmontar o Código Florestal, e criar uma seção permanente para a cobertura sistêmica dos acontecimentos na Amazônia.
Do jeito fragmentado que o noticiário é oferecido aos leitores, não se sabe nem mesmo quais indicadores de desmatamento devem ser levados em conta.
Abuso infantil
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Tramita em duas comissões temáticas da Câmara dos Deputados, onde deverá se analisado em caráter conclusivo, um projeto de lei que busca colocar alguma ordem na permissividade reinante no âmbito da publicidade dirigida ao público infantil.
Quando foi debatido na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, o projeto de lei 5921/01, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), ganhou um substitutivo, afinal aprovado, do deputado Osório Adriano (DEM-DF). A proposição mais importante do texto original simplesmente bania a veiculação de campanhas publicitárias dirigidas a crianças e proibia a participação infantil em peças de publicidade.Já o substitutivo optou por uma regulação genérica, que nem de longe enfrenta os incontáveis abusos observados nesse tipo de propaganda.
‘Foi a vitória do bom senso e da responsabilidade’, comemorou um dirigente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), certamente identificando na nova configuração do projeto uma garantia de maior faturamento publicitário das emissoras que representa.
Mas a questão não pode ser reduzida a um simples fluxo de caixa e nem analisada apenas pela ótica do lucro. Trata-se de um público, pela própria natureza, indefeso aos apelos da publicidade e sujeito às mais diversas manipulações. Para constatar isso, basta dedicar algum tempo a observar a propaganda que as emissoras de TV, com as exceções de praxe, veiculam pela manhã e no horário vespertino.
Na sexta-feira passada, a Folha de S.Paulo trouxe matéria sobre pesquisa realizada por uma entidade internacional que reúne organizações dedicadas à defesa do consumidor. Abrangendo 14 países, o levantamento revelou práticas apelativas do marketing dirigido a crianças por parte das principais redes de fast food, cujos produtos concorrem para provocar hipertensão e obesidade em crianças e adolescentes.
Este é um assunto a que a mídia não dá o devido valor. E pelo andar da carruagem na Câmara dos Deputados, no quesito publicidade infantil corre-se o risco do pior: o liberou geral.