O legado de Sarney
A imprensa começa a emitir sinais de que o presidente do Senado, José Sarney, pode não resistir às pressões para deixar o cargo espontaneamente.
Faltando apenas uma semana para o fim do recesso parlamentar, período em que Sarney pensava estar blindado contra a onda de denúncias, o noticiário do final de semana, complementado pelo que os jornais trazem nesta segunda-feira, revela que ele já não pode estar seguro de contar com os 41 votos necessários para barrar um pedido de cassação ou afastamento da presidência da Casa.
Segundo os jornais, foi o próprio recesso, somado ao fato de a imprensa não ter aliviado a pressão, com novas revelações e mais indícios de irregularidades, que acabou por fragilizar a posição de Sarney.
Longe da ilha de fantasia em que costumam viver, e em contato com suas bases eleitorais, muitos senadores foram convencidos durante o recesso de que o apoio à permanência de Sarney pode lhes custar caro.
Afinal, conforme lembra o Estado de S.Paulo, dos 81 senadores, pelo menos dois terços, 54 deles, terão que enfrentar as urnas no ano que vem.
Como, em política, na reta final é cada um por si, começam a aparecer sinais de que a lealdade dos aliados de Sarney está balançando.
A mudança no cenário coloca sobre a mesa uma questão que não costuma frequentar o noticiário e os debates sobre política: o que é que define, afinal, aquilo que vai compor o legado de um político depois que ele deixa a cena pública?
No caso de José Sarney, o registro de seu nome em placas de ruas, praças, avenidas e edifícios públicos do Maranhão e do Amapá, seriam suficientes para lhe assegurar o reconhecimento da posteridade?
A simbólica imortalidade conferida pela Academia Brasileira de Letras lhe seria suficiente para assegurar o respeito da História?
Os atentos observadores da imprensa sabem que o legado de Sarney para o futuro não ficará registrado em placas de metal ou mármore: estará inscrito no papel de jornal e nos circuitos eletrônicos que guardam para sempre o noticiário sobre um dos períodos mais vergonhosos do Senado Federal.
Pior: trata-se de um legado que mancha sua biografia e respinga sobre a vida de seus filhos e netos.
No crepúsculo de sua vida pública, o sobrenome inventado por José Ribamar Ferreira de Araújo Costa pode representar qualquer coisa, menos a nobreza que ele pretendeu imputar a si mesmo.
Jornal de domingo
Alberto Dines:
– O grave acidente ocorrido com Felipe Massa perto de Budapeste, no sábado, ganhou um grande destaque nos jornalões de domingo. Isso é raro. Geralmente o que acontece no sábado é registrado no dia seguinte com muita parcimônia já que a edição dominical – a mais importante da semana – é preparada e fechada no dia anterior. Requentada.
Mas com Fórmula-1 não se brinca: a mídia gasta uma fortuna para acompanhar o circo pelos autódromos do mundo, muitos anunciantes só querem saber de automobilismo e o público não admitiria ficar por fora de um assunto tão empolgante.
Significa que os jornais de domingo não deveriam sair tão mornos como acontece, bastaria que adotassem regularmente o mesmo esquema que tornou possível acompanhar o acidente na Hungria. Porém o mesmo lamentável acidente nos obriga a uma reflexão mais grave: será que automobilismo pode ser considerado um esporte? O número de acidentes fatais não tira dele o caráter de competição salutar e busca do equilíbrio físico e mental?
O Globo lembrou o acidente que tirou a vida de Ayrton Senna há 15 anos e o Estado de S. Paulo lembrou a morte no domingo anterior de um piloto de 18 anos da Fórmula-2. Esporte é vida, é saúde, mas nas pistas voam rodas, extintores de incêndio e molas matando, ferindo e aleijando pilotos, trabalhadores e espectadores. Sem a indispensável segurança, o circo automobilístico converte-se aos poucos numa espécie de tourada onde há mais touros condenados a morrer do que toureiros vitoriosos.