Dramalhão de novela
As duas principais revistas de informação do Brasil, pelo menos aquelas que alcançam mais leitores, escolheram para suas capas o episódio da morte de um ex-policial que foi casado com uma atriz de televisão.
As duas publicações dedicam ao tema páginas e páginas relatando o relacionamento conturbado entre a mulher famosa e o típico galã de subúrbio, quase trinta anos mais jovem.
E é assim mesmo que a revista Época trata o ex-policial que morreu de overdose de cocaína no estacionamento de um hotel: ‘galã de subúrbio’.
Chama-o também de ‘anônimo que tirou a sorte grande casando-se com uma estrela da TV’.
Não é o caso de se gastar o tempo com análises sobre o evidente preconceito presente nas afirmações, mas observar como a imprensa que se pretende relevante gasta papel com temas de importância duvidosa, em detrimento das questões que poderiam contribuir para melhorar o nível de suas relações com o público.
O relacionamento entre publicações que se pretendem influentes e seu público se constrói pela partilha dos temas relevantes, que ajudam esse público a fazer escolhas e formar opiniões.
Para se ter uma idéia, Época dedica quatro vezes mais espaço para a morte do ex-policial do que para o caso de assassinato que envolve o empresário Constantino de Oliveira, dono da empresa aérea Gol.
Outro tema relevante, o caso que envolve magistrados acusados de vender sentenças, mereceu apenas uma página.
Veja também preferiu dar amplo espaço para a psicologia ligeira sobre o relacionamento entre a atriz famosa e o anônimo suburbano do que a questões como o pacote do governo contra a crise econômica ou a pesquisa que mostra o hábito de empresários brasileiros de distribuir propinas a agentes públicos.
As chamadas revistas semanais de infomação são supostamente importantes pela capacidade de resumir os principais fatos do período e oferecer aos leitores a oportunidade de refletir sobre questões importantes para suas escolhas do dia-a-dia.
Quando dedica a capa e muitas páginas a temas que são a marca das revistas de banalidades, a imprensa que pretende ser influente está apenas afirmando que não quer ser levada a sério.
A apologia das banalidades
O nivelamento por baixo que se observa na chamada imprensa de qualidade funciona como uma espécie de ditadura da banalidade, que envolve todos os assuntos e transforma tudo em entretenimento.
Alberto Dines:
– ‘Quality papers’, jornais de qualidade, distinguem-se da imprensa popular porque no lugar de escândalos, crimes e celebridades preferem discutir política nacional e internacional, crise econômica, meio ambiente, violência, direitos humanos, combate à corrupção. No Brasil, a imprensa de qualidade não se distingue da outra e isso talvez explique a atual devoção dos jornalões e semanários aos shows de Madonna e à morte do ex-namorado da atriz Suzana Vieira por overdose de cocaína.
Este nivelamento por baixo agride o bom gosto, promove a invasão da privacidade e funciona como uma espécie de democratização da banalidade. Não estimula o desenvolvimento intelectual das elites econômicas e mantém as camadas menos favorecidas no eterno limbo cultural.
Como bem observou o jornalista Luiz Weis no site do ‘Observatório da Imprensa’, esta ditadura do entretenimento impede que a imprensa preste a devida atenção às outras ditaduras, sobretudo à ditadura propriamente dita, a militar, que tantos prejuízos causou ao nosso desenvolvimento político e social.
A prova foi fornecida por uma pesquisa da Folha de S. Paulo publicada no sábado, justamente no dia em que eram lembrados os 40 anos da promulgação do AI-5. Segundo a pesquisa, 82% dos entrevistados não sabem o que foi o AI-5. Na Argentina seria possível que um número tão grande de cidadãos desconhecesse o significado da Guerra Suja travada pelas forças armadas contra os grupos que pretendiam o fim da ditadura? Na Espanha de hoje seria possível ignorar a Guerra Civil iniciada há 73 anos?
Uma imprensa que prioriza as amenidades não pode queixar-se das tiragens baixas, do desinteresse pela leitura ou do aumento da abstenção nos pleitos eleitorais. A censura à imprensa imposta através do AI-5 pretendia promover o desinteresse da sociedade por assuntos mais sérios. Sem censura e com amenidades é exatamente isso que ocorre hoje.