A pizza está servida
Quando o senador Tasso Jereissati, um dos fundadores do PSDB, subiu à tribuna do Senado, nesta terça-feira, para pedir desculpas publicamente pelo bate-boca de que participou com Renan Calheiros, chefe da tropa de choque do presidente José Sarney, os comentaristas do rádio e da televisão não pareceram entender imediatamente o significado de seu gesto.
Alguns chegaram a falar em tentativa de apaziguar os ânimos para evitar um episódio mais grave no plenário.
Mas nesta quarta-feira, os jornais trazem a análise definitiva: “Oposição aceita acordo que preserva Sarney”, diz o Estado de S. Paulo em manchete. Na mesma linha, a Folha de S.Paulo informa que líderes dos dois blocos no Senado costuraram um acordo para livrar Sarney e o líder do PSDB, Arthur Virgílio, de punição no Conselho de Ética.
Mas não pense o leitor atento que a coisa será feita assim, como se nada tivesse acontecido nos últimos meses.
A estratégia, segundo explica a imprensa, é abrir no Conselho de Ética um processo contra Sarney e outro contra Virgílio, para dar uma satisfação à sociedade, e depois arquivar definitivamente o caso.
Os aliados de Sarney tinham engatilhadas nada menos do que oito denúncias contra Arthur Virgílio.
Contra Sarney já eram onze acusações.
Uma delas será escolhida para compor o processo de faz-de-conta.
E os dois senadores vão receber um atestado de conduta exemplar.
A única dúvida que os jornais deixam no ar é se a própria imprensa faz parte do acordo.
Mas o leitor atento pode julgar por si mesmo.
Nas edições desta quarta-feira, pouco se acrescenta ao noticiário do escândalo que manteve boa parte da população em estado de choque durante meses.
Sabe o leitor o que aconteceu com os 663 atos secretos que foram a origem de toda a celeuma?
Eles estão sendo revistos um a um, e nesta terça-feira o Diário Oficial da União publicou decisão do Senado de manter as gratificações incorporadas clandestinamente aos salários de pelo menos 70 servidores.
Ou seja, a pizza não apenas está servida, como vem acompanhada de sobremesa.
Os jornais disfarçam e mudam de assunto e você, que passou esse tempo todo indignado, fica com cara de…
Longe do acordo
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Continua o debate sobre a Conferência Nacional de Comunicação, prevista para ocorrer no início de dezembro. Assumida como projeto de governo, anunciado pelo presidente Lula em janeiro, veio do mesmo governo a ordem de um corte de 80% na dotação orçamentária do evento, que até agora não foi reposto.
Mas o problema não merece ser reduzido apenas à esfera econômica. Há uma dimensão política a ser avaliada. A proposta de juntar organizações sociais, empresários e governo para discutir as bases de futuras políticas públicas de comunicação é uma iniciativa mais que bem-vinda, por todas as razões. Mas no processo de definição do regimento interno da Conferência, o que se viu foram exemplos de intransigência, vindos sobretudo do empresariado que não aceita nada que se aproxime da idéia de algum tipo de regulação para o setor.
Como não debater a questão da propriedade cruzada dos meios de comunicação? Ou a política de concessão de canais de radiodifusão? Canais públicos, aliás. É certo que são temas para a discussão futura, mas sua sombra já é notada na organização da Conferência.
Está marcada para amanhã uma reunião dos empresários com os ministros diretamente envolvidos na questão – Hélio Costa, das Comunicações, Franklin Martins, da Secom, e Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência.
O importante, agora, é deixar claras as regras de funcionamento do processo, para que isso não seja questionado adiante.
O consultor jurídico do Ministério das Comunicações, Marcelo Bechara, disse ao Observatório não enxergar nada de “antinatural, ou de anormal” do que se espera de uma discussão desse porte. Afirmou que “os ministérios têm feito um trabalho de articulação no sentido de que se extraia a melhor Conferência possível”.
De todo modo, é grande a chance de parcelas do setor empresarial abandonarem a organização da Conferência. Os movimentos sociais reclamam contra a possibilidade de estreitamento da pauta. E o governo jura de pés juntos que a Conferência sai na data aprazada. A ver que Conferência teremos.
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