O arrastão anunciado
As negociações comandadas pelo senador Renan Calheiros para entronizar seu antigo líder Fernando Collor de Mello na presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado são o retrato perfeito e acabado do comércio que se estabeleceu no Congresso Nacional, com vistas às eleições do ano que vem.
A imprensa noticiou as manobras, reproduziu queixas, mas ainda não ofereceu aos leitores um quadro suficientemente claro do que representa a eleição de Collor para o controle do caixa das obras com as quais o governo pretende manter viva a economia brasileira.
As manifestações de indignação do senador Aluízio Mercadante, devidamente reproduzidas pelos jornais, não indicam apenas a incompetência do Partido dos Trabalhadores para manter algum controle sobre o apetite de poder e cargos de seus aliados.
Trata-se de muito mais do que isso.
Talvez fosse o caso de a imprensa colocar em discussão se as disputas internas na base parlamentar do governo não estariam extrapolando os padrões aceitáveis das relações políticas para se configurarem em um grande ensaio de arrastão sobre o patrimônio público.
Seria o caso de se observar como se arma, nessa disputa por cargos, um poder corrupto que pretende sequestrar quem queira que vença a eleição presidencial de 2010.
Mais importante do que isso, seria de se questionar se a sede com que se atiram ao butim certos personagens que se tornaram notórios em meio a escândalos já não estaria colocando em risco a própria governabilidade do País.
E, nesse caso, se não estaria na hora de convocar a sociedade a se manifestar a respeito de uma reforma que possa colocar um limite a tal voracidade.
O que tem a imprensa a ver com essas disputas? – perguntaria o cidadão distraído.
Ora, a sociedade tem o recurso constitucional que lhe permite encaminhar projetos ao Congresso, através de abaixo-assinados, e a imprensa poderia patrocinar um movimento nesse sentido, envolvendo o Judiciário.
Se o Congresso, ou pelo menos os congressistas que ainda se importam mais com o País do que com seus projetos pessoais, não se manifesta por moto próprio, pode ser empurrados pela sociedade.
Mas isso seria estimular a democracia direta.
E esse tema não cabe no ideário da imprensa.
Formação de quadrilha
Os jornais destacam que, também na Câmara dos Deputados, a distribuição dos poderes está privilegiando parlamentares cujas carreiras são ornamentadas por alentadas fichas policiais.
O Globo constata que, entre os vinte novos presidentes das comissões que analisam o mérito de projetos, nada menos do que seis respondem a inquérito ou processo no Supremo Tribunal Federal.
Crimes tributários, falsificações várias, estelionato, formação de quadrilha, compõem a extensa lista de crimes atribuidos a esses nobres deputados.
Mas eles são considerados inocentes até a condenação definitiva.
E agora vão definir o ritmo dos processos que serão colocados na pauta de votações da Câmara.
A Folha de S.Paulo chama atenção para o fato de que, das 31 comissões permanentes do Congresso, nada menos do que onze serão comandadas por parlamentares sob investigação oficial.
Alguns deles vão dirigir comissões que deverão tomar decisões em temas diretamente relacionados aos interesses de empresas que lhes fizeram doações de campanha.
Ou seja, foram eleitos por empresas ou grupos empresariais e vão dirigir comissões por onde passam as leis de interesse desses setores.
Não são propriamente parlamentares, mas lobistas eleitos para missões de negócio.
Todos esses parlamentares se acomodam em posições estratégicas sob a liderança do novo presidente do Senado, José Sarney, que comandou a movimentação das peças no tabuleiro.
À sua mão direita, Sarney tem como ajudante de ordens o notório senador Renan Calheiros.
À sua mão esquerda, o notório ex-presidente Fernando Collor.
São todos ex-desafetos, reconciliados pela oportunidade de exercer o poder majoritário.
A imprensa noticia tudo isso, em capítulos, mas não tem sido capaz de oferecer aos leitores o retrato completo da trama.
Depois, vai correr para denunciar os escândalos.