A máquina do futebol
Hoje falamos de futebol.
Mais precisamente, da máquina de moer carne em que se transformou o negócio do futebol no Brasil, com a alegre participação da imprensa.
Observe o leitor que, desde a volta do atacante Ronaldo aos campos, vestindo a camisa do Corinthians, a imprensa não falava de outra coisa.
Celebrava-se, a cada movimento do jogador, sua enorme capacidade de superar dificuldades físicas, de se recuperar dos ferimentos de guerra que a profissão lhe impôs.
Mas havia, por trás de todo o noticiário, a sensação de que a imprensa foi mais ou menos conduzida por interesses do chamado “marketing” do esporte.
Há dez dias, a imprensa futebolística “descobriu” o menino Neymar, de 17 anos, que despontou nos campos da Baixada Santista e foi rapidamente transformado em nova promessa de gênio.
O menino tem talento, possui um corpo ainda leve de músculos e demonstra ter a inteligência para decisões rápidas, o que lhe confere atributos para brilhar entre os defensores fortes, mas lentos do futebol atual.
Bastaram duas ou três partidas, porém, para que a imprensa, mais uma vez empurrada por interesses de empresários, o colocasse no pedestal dos heróis da nacionalidade.
Sem ter ainda enfrentado um time dos chamados “grandes”, o menino Neymar já era comparado a Pelé.
Neste domingo, o menino enfrentou um grande desafio.
Tinha no outro lado do campo o Corínthians de Ronaldo.
Como era de se esperar, se os jornais considerassem a natureza humana, o menino encolheu.
Tentou uma ou duas jogadas, encontrou um sistema defensivo que o isolava, e se intimidou.
Visto do alto da arquibancada, parecia frágil, inseguro e perdido dentro de uma camisa grande demais para ele.
Neymar sabia que a tribuna da imprensa do Estádio do Pacaembu estava lotada de jornalistas estrangeiros que vieram conferir o seu valor.
De vez em quando, a imprensa se preocupa com a excessiva influência dos empresários esportivos na composição dos times de futebol.
Eventualmente, uma ou outra reportagem tenta penetrar no universo mafioso que domina o esporte, mas nada parece capaz de furar a couraça desse poder.
Sabe-se até mesmo de casos de abuso sexual contra meninos nas concentrações de alguns clubes.
Mas basta aparecer um candidato a novo Pelé que o assunto fica esquecido.
Diante das imoralidades do futebol brasileiro, a imprensa se comporta como o atacante que só chuta na trave.
O trono intocável
A imprensa não abandonou, durante o fim de semana, o tema da profusão de diretorias do Senado.
Mas, de modo geral, vem poupando de críticas o presidente do Congresso, José Sarney.
Alberto Dines:
– Jornais e revistas pareceram neste fim de semana estar dispostos a manter o Senado sob pressão a fim de eliminar os abusos que começaram a pipocar a partir de 2 de Fevereiro.
A sondagem de opinião pública publicada pela Folha no sábado acrescentou ao assunto um dado extremamente relevante: a reprovação da sociedade ao comportamento do Congresso cresceu seis pontos quando comparada com os percentuais de novembro passado.
Ainda não é a pior marca: em novembro de 2007, enquanto Renan Calheiros teimava em manter-se na presidência do Senado apesar dos escândalos, a rejeição ao Congresso era oito pontos maior. Como os nossos partidos são extremamente frouxos em matéria de moralidade, a pressão em cima dos congressistas só pode ser exercida pelos meios de comunicação.
Desta vez, a mídia está conseguindo aquele mínimo de continuidade para evitar que as malfeitorias sejam varridas para debaixo do tapete. Este mínimo de continuidade, porém, está distante dos níveis necessários para dar um susto nos prevaricadores.
Basta ver que ontem, domingo, apenas o Estado de S. Paulo manteve na primeira página o noticiário sobre a farra do Senado. O Globo e a Folha, cada um com suas razões, não têm condições de encostar à parede o novo-velho presidente do Senado, José Sarney, cuja re-eleição acendeu os brios e iniciou o processo de repúdio nacional e internacional aos desmandos dos nossos legisladores.
Sarney é o vice-rei do Brasil, não é por acaso que quando chegou ao Amapá na última quinta foi aclamado como rei. Se o desejar, manda re-instalar o Conselho de Comunicação Social e o destino da mídia brasileira ficará em suas mãos. Em compensação, quando Sarney perder a coluna semanal que tem na página dois da Folha será o sinal de que o processo de saneamento é irreversível e já começou.