A Veja de ressaca
Talvez o leitor tenha se surpreendido com a edição da revista Veja que circula nesta semana.
Transformada em panfleto político nos últimos anos, a publicação semanal de maior circulação do Brasil apresenta na capa a ministra Dilma Rousseff, anunciada candidata à Presidência da República no congresso do Partido dos Trabalhadores.
O que deve ter surpreendido muitos leitores é o tom ameno, até cordial, com que a engajada revista trata a ministra, a quem considera desde muito como uma adversária quase pessoal.
Na edição desta semana, Veja trata Dilma como uma personalidade pragmática, que apesar de seu passado como guerrilheira não assusta o empresariado.
A revista produziu até mesmo uma tabela para mostrar como o discurso – que considera “radical” – se dilui em ações práticas de governo com resultados positivos, casos das iniciativas da ministra na redução de riscos no setor energético, na competitividade do setor agrícola nacional e na recuperação da malha rodoviária.
Para quem está habituado aos textos editorializados e tendenciosos da revista, chega a surpreender o esforço que faz para contar os bastidores da convenção petista sem forçar demasiado sua tendência natural de desqualificar o partido do governo.
Talvez os erros do passado recente, quando apostou demasiado no outro extremo do espectro ideológico – ao apoiar explicitamente políticos do Partido Democratas –, tenha deixado escaldados os editores da revista.
O ex-governador José Roberto Arruda, que já foi o herói de Veja, está na cadeia.
O prefeito paulistano, Gilberto Kassab, que também mereceu afagos da revista, acaba de ter seu mandato cassado temporariamente, por receber doações consideradas ilegais.
Não basta uma edição para que se possa afirmar que Veja resolveu voltar ao jornalismo.
Afinal, a revista ainda segue coalhada de textos arrivistas e tendenciosos.
Mas não deixa de chamar a atenção essa sua ressaca pós-carnavalesca.
Acirrando os ânimos
Alberto Dines:
– O governo, ao que parece, pretende converter a escolha do sucessor do presidente Lula num plebiscito, por isso aposta numa intensa comparação entre os seus dois mandatos com os dois mandatos do antecessor, o presidente FHC. Todas as eleições são plebiscitárias, sem exceção, e todas costumam ser muito disputadas. Mas por conta de um confronto que ainda não aconteceu, a imprensa antecipou-se e aproveitou o 4º Congresso Nacional do PT para acirrar os ânimos. Exemplo disso foram as manchetes dos três jornalões no último sábado (20/2), a propósito da apresentação das diretrizes do programa de governo da candidata Dilma Roussef. Idênticas no fraseado e no espírito, as manchetes não parecem ter saído em veículos concorrentes. O Estadão declarou: “Petistas decidem radicalizar projeto de governo de Dilma”. Na Folha: “PT apresenta programa mais radical para Dilma”. No Globo: “PT aprova programa radical para a campanha de Dilma”. Em que consiste esta radicalização? Criação do imposto sobre fortunas, combate ao monopólio da comunicação, jornada de trabalho de 40 horas semanais, fim da criminalização das invasões de propriedades rurais e adoção do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Ora, a taxação de heranças e fortunas é uma antiga aspiração da social-democracia européia, foi falada ao longo do governo FHC, depois engavetada porém jamais classificada como radical, no máximo inoportuna. O combate aos monopólios de comunicação existe nos Estados Unidos desde os anos 30 do século XX, hoje é rotina na União Européia. A diminuição da jornada semanal de trabalho está sendo prometida pelo deputado federal Michel Temer, do PMDB paulista, que não chega a ser um radical de esquerda, ao contrário, está no pólo oposto. A criminalização ou descriminalização das invasões de propriedades depende do Judiciário. O Programa Nacional de Direitos Humanos também começou no governo FHC e nada tem de radical: é apenas abrangente como recomendam os organismos internacionais. Compreende-se o fervor das manchetes, sobretudo no finalzinho do Carnaval. Afinal, eleição vende jornal, aumenta a circulação, traz prestígio e poder. Prematuro, provocador, é falar em radicalização antes mesmo que haja sinais dela.
O discurso da candidata no dia seguinte (publicado nas edições de domingo, 21/2) nada tinha de extremado: sua proposta de um Estado “forte”, isto é, regulador e executor, nada tem de revolucionária ou subversiva. Se adotada antes da debacle financeira global teria salvo o capitalismo do naufrágio. Apenas a Folha e o Estadão agarraram-se ao discurso da pré-candidata, o Globo deixou-o em segundo plano.