Todo Homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. (Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948).
Um dos documentos que embasam não só a produção textual mas, principalmente, as ações e reflexões propostas pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio) tem como base o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948) – que este ano completará 58 anos. Durante este tempo, a pressão social dos grupos organizados, destacando-se os de origem popular, contribui para a transformação do que é formal em direito concreto, que pode ser visto ‘a olho nu’ no cotidiano.
Tal relacionamento foi destacado em artigo pelo professor Adilson Cabral – coordenador do informe eletrônico Sete Pontos (RN) – ao salientar que ‘essa inferface entre os movimentos de comunicação e os de direitos humanos, que passam a ser vislumbrados pela dimensão econômica, social e cultural, sintetizada pela sigla DHESC (direitos humanos, econômicos, sociais e culturais), torna-se um ganho do movimento de direitos humanos, que se expande e assume a comunicação como componente de suas lutas, não apenas como ferramenta, atividade-meio de suas ações’. Escreveu ainda o professor que também os integrantes do chamado movimento de comunicação social têm assumido a abrangência dos direitos humanos, apontando para uma real contribuição dos meios e dos processos de comunicação com vistas à transformação da sociedade.
No final de março passado, neste Observatório da Imprensa, o jornalista Luiz Cláudio Cunha escreveu carta aberta à direção da Editora Três e a seu agora ex-chefe e editor-geral da revista IstoÉ Carlos José Marques [ver remissão abaixo]. Em dado momento, ele afirmou que Marques teria dito que neste veículo de comunicação não daria espaço editorial a ‘preto e pobre’. Sem entrar no mérito de qual fala seja verdadeira, nós, da Cojira-Rio acreditamos ser pertinente, mais uma vez, tornar pública nossa posição, que nos remete ao Plano de Ação produzido pela III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, à Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Durban, na África do Sul em 2001.
Entre as suas recomendações, destaque-se que os países devem ‘incentivar a representação da diversidade entre o pessoal das organizações (governos, empresas, ONGs etc.) de mídia, das novas formas de informação e tecnologias de comunicação, tais como a internet, através da promoção adequada da representação de diferentes segmentos dentro das sociedades em todos os níveis de sua estrutura organizacional’.
Medidas concretas
Isto significa contemplar todos os grupos chamados de historicamente discriminados (negros, mulheres, homossexuais, portadores de necessidades especiais etc.) no mercado de trabalho.
O documento do Plano Durban chamou a atenção para o uso da internet e ‘das novas tecnologias de informação e comunicação para a criação de redes educacionais e de sensibilização contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata (as Cojiras nos sindicatos carioca e paulista e o Núcleo de Comunicadores Afro-brasileiros no sindicato gaúcho são exemplos), tanto dentro quanto fora da escola’, em todos os níveis de ensino.
Ainda ressalva a importância da internet como meio de promover o respeito universal aos direitos humanos e aos direitos civis, pois na prática uns não existem sem os outros. É observada a importância de se reconhecer o valor da diversidade cultural e, para que isso ocorra concretamente, o Plano Durban recomenda a adoção de ‘medidas concretas para incentivar o acesso das comunidades marginalizadas às mídias tradicional e alternativa e à apresentação de programas que reflitam suas culturas e linguagens’ (aí o colega Marques, se disse mesmo o que teria dito, coloca-se ‘por fora’, tal como a própria revista ‘Isto É’, que não fica ‘por dentro’).
No campo do mercado de trabalho, a recomendação é ‘que seja promovida as representações justas, equilibradas e eqüitativas da diversidade de suas sociedades, bem como assegurar que esta diversidade seja refletida entre sua equipe de pessoal’.
Objetivo constitucional
Outras sugestões de ações merecem destaque que, em nossa opinião, podem ajudar na construção de meios de comunicação social (especialmente os controlados pelo poder público), de fato, sintonizados com as reais necessidades das comunidades negras (pretos + pardos, segundo o IBGE) no Brasil:
a)
maior compreensão sobre as culturas negras a partir de seu referencial histórico até chegarmos aos dias atuais, atentando para a não folclorização destas mesmas culturas;b)
produção de material didático com linguagem inclusiva, resgatando de modo positivo as imagens da comunidade negra;c)
coibir em toda a manifestação literária (incluindo a teledramaturgia) o uso de termos lingüísticos ou imagens que insinuem, estimulem ou reforcem estereótipos em relação à comunidade negra e outras minorias do ponto de vista do exercício do poder político;d)
denunciar e conter ações que promovam, sob qualquer pretexto, a discriminação de mulheres negras e outras minorias do ponto de vista do exercício do poder político;e)
combater a demonização das culturas negras, fato este promovido por algumas seitas que se autodenominam ‘evangélicas’ (certamente em um flagrante descumprimento do que Jesus Cristo pregou ao dizer ‘amar ao próximo como a ti mesmo’);f)
divulgar as estatísticas em relação à violência de gênero, atentando para o recorte racial;g)
veicular mensagens na ‘mídia’ que promovam os direitos humanos e a justiça social;h)
capacitação dos profissionais dos veículos de comunicação, adequando esta prática ao exposto no Plano de Ação Durban;i)
maior valorização (principalmente em quantidade de pessoas e na qualidade do personagem da obra de ficção) do artista e do técnico negro no mercado de trabalho, especialmente o representado pela mídia eletrônica.Outro aspecto a ser atentamente observado diz respeito a promoção de políticas de reparações e de ações afirmativas, conforme trecho extraído do artigo ‘Ações Afirmativas: aspectos jurídicos’, publicado no livro Racismo no Brasil, da Fundação Petrópolis (2002), escrito pelo atual ministro do STF, na ocasião procurador da República, Joaquim Benedito Barbosa Gomes.
‘As ações afirmativas definem-se como políticas públicas (e privadas), voltadas à conscientização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade.’
Relações cristalizadas
Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades privadas, elas visam combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta também o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, aptas a inculcar nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano’.
O tecido social é composto por múltiplas identidades, que se atravessam constantemente, podendo por isso mesmo agravar várias discriminações. O Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais, que, no entanto, somente se tornarão realidade cotidiana quando todos os setores da sociedade se empenharem na concretização dos mesmos. Neste contexto inserem-se os temas racismo e sexismo, que só terão as suas dinâmicas estancadas na sociedade brasileira se houver a determinação política de todos os seus segmentos.
O racismo é uma ideologia que tem como resultado a exclusão. Será relevante que uma das contribuições do jornalismo (e por extensão da comunicação social) seja trazer à tona este problema. E com isso contribuir para esvaziar as perniciosas relações de poder cristalizadas socialmente e representadas no alto da pirâmide social pelo binômio: homem + branco.
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Jornalista, integrante da coordenação da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio) do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro