Divergências natalinas
A menos de uma semana do Natal, a festa na qual se celebram a solidariedade, a concórdia e a paz entres os homens de boa vontade, a imprensa enche suas páginas de divergências de todos os tipos.
Nas edições de hoje, há relatos de desentendimentos entre o Senado e a Câmara dos Deputados, entre o presidente do Banco Central e o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, entre o atual prefeito do Rio e o Corpo de Bombeiros, entre o ministro do Meio Ambiente e o ministro do Planejamento Estratégico.
A concórdia e o entendimento estiveram presentes no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde um desembargador concordou em conceder liberdade provisória à jovem gaúcha Caroline Pivetta da Mota, presa há 53 dias por haver participado de pichações no andar vazio da 28a. Bienal de Artes.
No Rio de Janeiro, o Corpo de Bombeiros se opõe ao quase ex-prefeito, César Maia, e proíbe a inauguração da Cidade da Música, um teatro de ópera que Maia pretende deixar como seu principal legado.
A obra não tem alvará, nem habite-se, nem seguro.
Já custou mais de 500 milhões de reais.
A interdição aconteceu apenas três horas antes da festa de inauguração, mas o prefeito corre para cumprir as exigências de segurança e fazer a festa ainda neste ano e sair nas fotos.
A divergência entre o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Aloizio Mercadante, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, nasceu da ata que registra a reunião da Comissão de Política Monetária, que na quarta-feira havia decidido pela manutenção da taxa oficial de juros.
O senador Mercadante questionou a manutenção dos juros, já que a ata revelava disposição do Copom de fazer um corte de 0,25%.
Mas essa é uma velha controvérsia, que frequenta com assiduidade o noticiário econômico.
No Congresso Nacional, a briga entre o Senado e a Câmara aconteceu por causa de um projeto que recria mais de 7 mil vagas de vereadores.
A Câmara havia se rebelado contra o Senado por causa da retirada de um artigo que reduzia os gastos das Câmaras Municipais.
No fim, as duas casas acabaram aprovando esse e outros projetos que elevam os gastos públicos.
Afinal, se o Natal é o período da concórdia, também é a época de dar presentes.
E, como registram os jornais de hoje, não tem crise que impeça o Congresso de ser generoso com o dinheiro público.
Sapatadas de fim de ano
Alberto Dines:
– Antes do Natal costuma-se falar em botas, as botas de Papai Noel carregadas de presentes. Neste ano, as botas foram substituídas por um par de sapatos convertidos em projéteis por um jornalista iraquiano e instantaneamente transformados em objetos de culto em todo o mundo. Na história mundial da sapataria jamais um calçado ganhou tal notoriedade.
É bizantina a discussão sobre o comportamento ético do jornalista da TV Muntazer al-Zaidi que investiu contra o seu entrevistado, o presidente George W. Bush, numa entrevista coletiva em Bagdá. Como disse ontem Eugênio Bucci no Estadão, aquela não era uma situação normal, a entrevista coletiva era uma farsa, não se pode exigir do jornalista uma postura respeitosa se tudo ali era desrespeitoso.
Por outro lado, é imperioso lembrar que na maioria absoluta dos países islâmicos seus dirigentes não concedem entrevistas coletivas nem a imprensa tem liberdade para o desempenho de suas funções. Se um jornalista jogasse uma sandália no presidente iraniano Ahmadinejad seria imediatamente enforcado.
Os sapatos de al-Zaidi deram uma grande exposição aos problemas da mídia. Os problemas da mídia de repente ganharam dimensões planetárias, não porque o Chicago Tribune pediu concordata, mas porque um jornalista sentiu-se violentado e protestou publicamente. Nosso presidente, como sempre, preferiu fazer piada na cúpula da América do Sul e Caribe. Conviria perguntar aos seus assessores quantas entrevistas coletivas concedeu neste ano.