Há limites para a liberdade de imprensa? Penso que, por princípio, não. A liberdade é um dos pressupostos fundamentais para a prática do jornalismo. A partir da compreensão da imprensa como uma atividade que presta um serviço público, a liberdade do jornalista para trabalhar e do jornal para publicar deve ser absoluta. Tal visão, nos Estados Unidos, consagrou-se na Primeira Emenda à Constituição e, com maior ou menor ênfase, está registrada em todas as constituições de países democráticos contemporâneos, inclusive o Brasil.
Qualquer tentativa de impor limites à atividade da imprensa significa – sempre – algum tipo de censura. Evidente: jornais e jornalistas devem responder, posteriormente, pelos abusos que eventualmente cometam. No Brasil, neste aspecto, vemos uma procura crescente de reclamações judiciais contra jornais e jornalistas.
Na aparência, essa pode ser uma questão resolvida no Brasil contemporâneo. Infelizmente não é. Mais uma vez, apenas para dar um exemplo, a Justiça Eleitoral determina que resultados de pesquisas eleitorais não podem ser divulgados nos 15 dias que antecedem uma eleição. Isso é censura prévia, não há outro nome! E não é a primeira vez. Em todas as vezes anteriores, mesmo jornais impressos diários chiaram e espernearam, mas terminaram obedecendo. Ora, trata-se de uma proibição flagrantemente ilegal, que fere inclusive os direitos fundamentais previstos na Constituição. Entendo que não faltam alternativas. Pode-se levar a questão para ser resolvida junto ao Supremo Tribunal Federal; por que não simplesmente deixar de acatar?
É inaceitável que uma regulamentação se interponha a um direito inquestionável – no caso brasileiro, consagrado na Constituição. Vê-se, aqui ou ali, questionamentos às vezes contundentes, mas que não ultrapassam os limites da simples lamentação.Tais questionamentos, grosso modo, focam a questão do direito do cidadão à informação. É verdade, mas é preciso dizer que trata-se de censura e que censura é inaceitável. Ponto.
Pior: a história registra outros casos de decisões judiciais claramente censórias com alguma estridência no esperneio, mas nenhuma concretude na contestação.
Pouco tempo
Há, claro, casos de conflitos de direitos. E, como aqui é o Brasil, há soluções estranhas mas criativas. Exemplo típico bastante comum nos primeiros anos da Constituição de 1988, em especial na década de 1990: as revistas ostensivamente pornográficas eram obrigadas a vir em envelopes plásticos não transparentes com o aviso da proibição da venda a menores de 18 anos de idade. Os editores viram nisso uma forma de cerceamento à liberdade e hoje a pornografia é vendida livremente.
O Brasil é um país curioso. Como já exaustivamente demonstrado, temos todo tipo de concentração midiática. No ano passado, vimos uma movimentação para a criação de um Conselho que disciplinasse a prática do Jornalismo. Partindo de jornalistas, é quase um acinte: ora, jornalismo é, em essência, indisciplinado. Mas a concentração midiática, inclusive a propriedade cruzada é quase sempre esquecida ou criticada timidamente. Não é de hoje que algumas dessas ações apresentadas como ‘democratizadora das comunicações’ naufragam de forma deprimente. O melhor exemplo é o lamentável projeto Zaire Rezende, de triste memória, que a Fenaj patrocinou nos tempos dos debates constitucionais. Muitos não entenderam (e alguns não entendem até hoje) porque recusei-me a assinar um documento defendendo sua implantação.
Curioso: na mesma época, o país vivia o esplendor do chamado Horário Eleitoral Gratuito. Os grandes conglomerados de comunicação eram obrigados a ceder seu horário nobre – e mais lucrativo – no rádio e nas TVs para que os partidos, na proporção de suas forças pudessem fazer, com liberdade, a imprescindível propaganda política. Os jovens de hoje não sabem, mas o Horário Eleitoral Gratuito jamais esteve na pauta de qualquer uma das entidades que lutam pela ‘democratização da comunicação’. De lá pra cá as emissoras passaram a ser indenizadas (pela tabela de comercialização oficial, sem os descontos que todos os anunciantes recebem), a Justiça, claro, chegou a estabelecer proibições e as campanhas se tornaram mais curtas e a interrupção mais diluída.
Mas é preciso dizer mais: esta foi uma reação da política contra a ausência de jornalismo nas TVs, característica que se mantém até hoje. Quem quiser que confira: para cada 20 minutos de propaganda política, temos, no máximo, dois minutos de jornalismo político. Burocrático e despolitizado.
Mais plurais
Por que nenhum telejornal brasileiro jamais fez um jornalismo político efetivamente a serviço do cidadão? Seria, aliás, uma forma interessante de cumprir as obrigações constitucionais de concessionários de um serviço público.
Por que até mesmo os jornais impressos não ousam contestar com firmeza decisões anticonstitucionais que ferem sua liberdade?
Enfim, a liberdade é uma premissa para o jornalismo. Mas se a sociedade tem o direito à informação precisamos de muito mais. Mais jornais e/ou jornais mais plurais. A batalha da liberdade é fundamental, mas não é a única. Há muito ainda por conquistar.
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Jornalista, professor da Ufes e integrante da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi)