Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia e a consciência da sustentabilidade

‘A natureza é um capital que o homem não criou. Apenas descobriu.’ (Schumacher)

‘A vida humana só tem sentido na comunicação.’ (Paulo Freire)

Em virtude da responsabilidade social que lhe é inerente, o jornalismo deve voltar-se para a educação ambiental permanente. Para tanto, é necessário que os estudantes travem contato, na Universidade, com uma abordagem sistêmica indispensável à compreensão das relações entre os fenômenos, não só no que se refere ao meio ambiente – aqui tratado especificamente a partir do consumo sustentável – mas em relação ao próprio ensino, como instância de educação libertadora, para vencer os preconceitos, romper os paradigmas do racionalismo estabelecido, refundar a ética e rever o conceito de objetividade. A pesquisa, tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo, comprova que o jornalismo ambiental, tal como praticado hoje, não conduz à reflexão, não estimula a visão crítica, não explica as causas e conseqüências das informações e não abre espaço para a livre manifestação do receptor, atado que está a compromissos incompatíveis com a biofilia, isto é, com a Vida e com a Paz. Estuda-se, também, o conceito de integração como forma de chegarmos à cooperação solidária entre a mídia, a Universidade, os poderes constituídos e a sociedade em busca de uma educação ambiental que vá além dos muros escolares, que supere as abordagens pontuais e isoladas, que possa despertar a consciência ecológica ao nível da cidadania, o que se fará dotando o jornalismo do necessário viés educativo, a partir do aprofundamento, da investigação, da interpretação contextualizada, mediante as várias ferramentas à disposição do profissional, destacando-se, entre elas, a própria abordagem sistêmica presente na recente proposta do Jornalismo Literário Avançado e das histórias de vida. Por isto o trabalho também examina a questão dos gêneros do jornalismo e as teorias da comunicação, através dos quais o discurso jornalístico é apresentado. O aprofundamento sobre a temática ambiental se dá através do exame mais detalhado sobre o fenômeno do consumismo e a sustentabilidade, fatores de importância fundamental na abordagem da crise ecológica. São examinadas, ainda, propostas pró-ativas a favor de uma estética da cultura da paz, do ecodesenvolvimento, do eco-socialismo etc, todas assentadas no conceito de ecologia profunda, envolvendo o respeito intrínseco à natureza e aos animais, muito além do marco antropocêntrico, de inspiração liberal.

As complexas relações entre Natureza, Deus e Homem, conforme a tradição judaico-cristã, já estão presentes no Livro das Origens (Gênesis), quando o homem recebe a missão de ‘dominar a terra’. Depois, ao longo de sua história, passando pela Idade Média e até nossos dias, a Igreja discutirá, permanentemente, esse relacionamento. Antigos textos, estudados em qualquer revisão bibliográfica do tema, tratam a ecologia e as relações humanas através de páginas candentes de poesia e fé, como em Santo Agostinho (séc. V) e São Francisco de Assis (séc. XIII); ou através da crítica aquilina de Erasmo de Roterdã (séc. XV), ou ainda na visão holística de Teilhard de Chardin (séc. XX). Em Chardin temos já uma fundamentação do que o filósofo norueguês Arne Naess chamaria de ‘ecologia profunda’ no início da década de 1970, quando se inicia, de fato, o movimento de conscientização ecológica, por todo o mundo. A ‘ecologia profunda’ defende o direito intrínseco dos animais à vida digna e reconhece a ‘inteligência do universo’.

Cultura do ‘descartável’

Essa compreensão do todo traduz a possibilidade de aproximação ampla entre ciência e fé. Nas décadas de 1970 e 1980, autores como Amit Goswami, Fritjof Capra e outros, partem da própria física de Einstein para especular que o mundo não está dado, que tudo é um processo, que a mente humana ainda não consegue compreender os mistérios da vida e que, portanto, o que existe é um mundo de probabilidades, como ensina a Mecânica Quântica, e não um mundo de certezas, como pregava a visão newtoniana. Trata-se, na verdade, de uma revisão do modo de vida capitalista centrado no materialismo individualista e na acumulação. Isto implica na refundação da própria Ética em busca de uma Estética que possa superar, por exemplo, o ‘estetismo’ da informação como um fim em si mesma, descompromissada com a reflexão, como é possível verificar, especificamente, no empenho da mídia em estimular o consumo a qualquer preço, sem se preocupar com suas características de injustiça social, sobrecarga do ecossistema e até doenças físicas (como a obesidade infantil) e psicológicas associadas ao consumo compulsivo ditado e modelado pela mídia unicamente com finalidade de lucro.

O estudante de comunicação, o jornalista ou o ambientalista que pretenda estudar mais a fundo a situação do consumo no mundo atual não pode dispensar, absolutamente, uma fonte tão valiosa como o Relatório Anual do Worldwatch Institute denominado ‘Estado do Mundo’, veiculado, no Brasil, pela Universidade Livre da Mata Atlântica, com sede em Salvador-BA. O relatório é montado a partir de dados da Organização das Nações Unidas-ONU, do Banco Mundial e de outras instituições de prestígio internacional. Para este trabalho, consultamos o Relatório 2004, que traz importantes dados sobre a influência da publicidade na indução ao consumo de massa, discutindo o fenômeno do consumismo em si (inclusive do sofrimento dos animais abatidos para consumo humano), também tratando da quantidade e do tipo de lixo gerado pelo consumo moderno.

Desse tipo de estudo, resulta para o pesquisador o necessário crivo crítico sobre o consumo conspícuo ou socialmente injusto que caracteriza o mundo pós-moderno. Não resta dúvida que o excesso de consumo (principalmente com o lançamento de gases na atmosfera) está relacionado com as mudanças climáticas que hoje preocupam os governos da maioria dos países, embora não devamos desconhecer ações que vêm sendo desenvolvidas por todo o mundo, às vezes silenciosamente, para limpar o ambiente e proteger a natureza. Uma dessas iniciativas é o Princípio de Responsabilidade do Produtor-PRP, um mecanismo oficial da legislação alemã que obriga o fabricante a receber o produto usado de volta para reciclá-lo. Isto, além de reduzir a quantidade de lixo, induz à confecção de produtos mais resistentes, com maior durabilidade, alterando fundamentalmente a cultura do produto ‘descartável’ que logo vai para o lixo, incluindo itens tóxicos como embalagens químicas, baterias de celular etc. O estudo da questão conduz ao necessário conceito de consumo sustentável para a proteção do meio ambiente e a salvação da vida no planeta.

Circularidade da informação

Mas, trata-se de sustentar a vida ou sustentar o capital? Aqui entra o viés ideológico de procedência neoliberal que muitas vezes acaba roubando as bandeiras do movimento ecológico em causas nada nobres, como denuncia o professor Wilson Bueno, da ECA-USP. A idéia correta de sustentabilidade pode ser encontrada nas principais conferências da ONU sobre meio ambiente: a de 1972, em Estocolmo, (que mobilizou os governos, em todo o mundo, na implantação de legislações e mecanismos de controle ambiental), a do Rio, em 1992 (que mobilizou a sociedade civil através das ONGS e do Movimento Ambientalista Internacional), e a de Joannesburgo, em 2002, (que despertou o interesse das empresas a favor do politicamente correto em matéria ambiental). Além das conferências da ONU, os estudiosos da questão podem confrontar o conceito de ‘desenvolvimento’ a partir das observações de Lester Thurow (1997), do Massachusetts Institute of Tecnology – MIT, ou da apreciação do mexicano Henrique Leff (2002) sobre ‘desenvolvimento sustentável’, ou, ainda, da avaliação de Ignacy Sachs (1986) sobre ‘ecodesenvolvimento’. Um bom roteiro de estudos sobre meio ambiente deve incluir, igualmente, a proposta de ‘ecosocialismo’ apresentada por José Pedro Soares Martins (1991) que recorre a Schumacher (1977) para expor a visão budista de trabalho e desenvolvimento, a qual não estabelece oposição entre tecnologia e espiritualidade. Para o budismo, o que condena o homem não é a riqueza, mas o apego à riqueza.

Todavia, é necessário que o estudo também inclua uma avaliação crítica do próprio movimento ambientalista, como convém ao bom jornalismo de investigação aqui proposto. Se no início deste artigo aludíamos à inevitável refundação da ética a favor do consumo sustentável, aqui avançamos para a necessária educação da cidadania na direção dessa ética. Uma das principais instâncias de educação da cidadania está nos Meios de Comunicação de Massa, por isto defendemos um aprofundamento sobre o jornalismo propriamente dito, suas teorias, seus gêneros, suas ferramentas etc.

A primeira reflexão é sobre a Teoria da Informação-TI, de Shannon e Weaver (década de 1940), que mede a eficácia da comunicação entre dois pontos. A TI foi concebida para estudar quantidades e capacidades de transmissibilidade, por isto não dá conta de estudar a qualidade dos conteúdos, nem a intencionalidade do contexto produtor da informação. Quem vai trazer essa contribuição, no mesmo período histórico, é a Cibernética de Norbert Wiener, ao estudar exatamente a circularidade da informação que permite ao receptor tornar-se, ele próprio, emissor, pelo princípio da retroatividade. Isto rompe com a idéia de causalidade linear subjacente na TI, ao considerar a reorganização da informação a partir do feed-back.

Ferramentas do sistema

Ainda no mesmo período, a Escola de Chicago discute, pragmaticamente, as relações entre o homem e o meio ambiente ao tratar da comunicação como fenômeno urbano, conforme as pesquisas de Cooley e Park. Ainda na primeira metade do séc. XX, a Escola de Frankfurt opera a Teoria Crítica-TC, firmando o conceito de ‘indústria cultural’, segundo o qual a mídia seria responsável por ‘coisificar’ a informação, dirigindo-se às massas apenas para obter proveitos financeiros e não para levá-las à reflexão através das obras culturais, como queria a dialética de Adorno. Todavia, aceitar totalmente a TC seria ignorar o potencial da mente humana que também é influenciada pelo contexto histórico, através da família, da escola, da sociedade, da cultura adquirida etc. Os MCM não têm poder total sobre o homem, pelo menos não na mesma intensidade para todos os segmentos de público. No campo específico do jornalismo, já no séc. XIX discutia-se a Teoria do Espelho, que via no jornalista um super-homem com a missão de corrigir as injustiças do mundo a partir da realidade tal como ela se apresenta.

Mas, a quem caberia decidir sobre o Bem e o Mal? No séc. XX, no contexto da II Grande Guerra, prolifera o conceito de objetividade. Com a globalização capitalista, surge, na segunda metade do século, a Teoria da Ação Social que caracteriza a intencionalidade do gatekeeper como responsável pela seleção das notícias. Na mesma época, a Teoria Organizacional estudava a conformação ou adaptação ‘natural’ do jornalista à política editorial do veículo onde trabalha, sem questionamento. Mas é nas décadas de 1960 e 1970 – coincidindo com o crescimento da conscientização ambientalista – que aparece a Teoria da Ação Política, segundo a qual é a sociedade quem deve decidir como quer as notícias. Esse retorno, ou feed-back, chega aos veículos através dos seus institutos de pesquisa, permitindo a ‘reorientação’ do veículo. Essa ‘reorientação’, ou correção de rumo, está prevista na Teoria Geral de Sistemas que comporta três movimentos básicos: entrada (captação), estabilização (processamento) e saída (publicação). O feed-back incidirá na melhoria da qualidade do processamento da informação. Essa importância estratégica do receptor está consagrada na Teoria Estética da Recepção, em Hans Robert Jauss (1994).

A abordagem sistêmica é operada, no jornalismo, através dos vários gêneros que organizam a mensagem jornalística segundo seu objetivo de informar, opinar, interpretar ou divertir. Os gêneros jornalísticos – Informativo, Opinativo, Interpretativo e Recreativo – destacando-se a modalidade do Jornalismo Literário Avançado e as técnicas de entrevista, também são ‘ferramentas do sistema’.

Formação ética

Outra ferramenta indispensável para o jornalista é a Fotografia. O que se discute é se a fotografia deve ‘documentar’ ou apenas ‘ilustrar’ as notícias. Para realçar a estética da imagem é ético ‘corrigir’ digitalmente a foto como aconteceu no atentado ao metrô de Madri em setembro de 2004? Autores como Boris Kossoy, Roland Barthes, Pierre Francastel ajudam a esclarecer essas questões fundamentais no âmbito da comunicação não verbal. Por sinal, uma foto vale por mil palavras? Novamente aqui insiste-se na importância do ensino de jornalismo com qualidade e aprofundamento ético na Universidade. Afinal, com as novas tecnologias só resta mesmo o imperativo categórico da ética para evitar que a imagem fotográfica seja adulterada de todas as formas em nome da estética servindo apenas para ilustrar ou para chamar a atenção do leitor, ao invés de ser um confiável documento do real acontecido. Esses autores também lembram a importância do ‘casamento’ entre texto e imagem, pois a foto só vale por mil palavras se imaginarmos mil palavras para defini-la. Vale dizer: a foto não pode e não deve abrir mão da legenda se o seu objetivo é ‘explicar’ e contextualizar a notícia. É a boa foto que contribui para a clareza da informação.

A pesquisa quantitativa, que subsidia este ensaio, foi desenvolvida através da Análise de Conteúdo (Bardin, 1988) – que abrange os estudos de Jornalismo Comparado – e do Modelo de Bauer (2002). Foram estudados, de janeiro a julho de 2005, 27 exemplares dominicais do maior jornal do país, a Folha de S. Paulo (aqui denominado Jornal Nº 1) e igual número de edições de um jornal diário do interior de São Paulo, o Jornal da Cidade, de Bauru (aqui denominado Jornal Nº 2). A pesquisa comprova a indiferença dos jornais com o potencial educativo das mensagens em relação ao meio ambiente e, especificamente, ao consumo sustentável. Também é praticamente nulo o espaço do consumidor/receptor na produção de matérias ambientais.

O levantamento ainda mostra a falta de abordagem crítica das notícias, isto é, não há preocupação em explicar as causas e as conseqüências das informações veiculadas. Foram estudadas 120 matérias do Jornal Nº 1, no total de 22.061,5 centímetros de coluna, e 100 matérias do Jornal Nº 2, no total de 24.012 centímetros de coluna. Os dois jornais foram analisados quanto a volume de publicação, categorias veiculadas, valorização visual, gêneros, formato editorial, fontes principais, intermediário da notícia e vinculação geográfica. Esse tipo de estudo remete a questão para a à necessária formação ética e sistêmica que possa romper os paradigmas tradicionais do racionalismo reducionista e da fria objetividade observados nos jornais.

No meio da mata

Para propor a indispensável ruptura da objetividade, decidimos organizar, também, uma pesquisa qualitativa entre os estudantes de jornalismo. Foram distribuídos 100 formulários no 1º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, promovido pelo Núcleo Paulista de Jornalismo Ambiental no Sesc de Santos entre 12 e 14 de outubro de 2005, com a participação deste pesquisador na organização do evento e na seleção dos Trabalhos de Conclusão de Curso-TCCs, apresentados, mas o retorno foi insignificante. A maior parte dos alunos que responderam ao questionário é da Unesp/Bauru. A intenção era saber o que pensam os alunos sobre o tema meio ambiente e como vêem o jornalismo ambiental que ainda é uma novidade na maioria das universidades brasileiras. Através da subjetividade espontânea da maioria das respostas, foi possível constatar que os alunos ressentem-se da falta de uma formação sistêmica capaz de libertá-los das amarras impostas pelo sistema tradicional, à luz da crítica que se faz ao modelo compartimentalizado do ensino acadêmico, como se pode observar em destacados autores, como Edgard Morin (2002) e Paulo Freire (2005), entre outros.

Feita a pesquisa quantitativa sobre o mercado convencional do jornalismo e ouvidas as aspirações dos estudantes de jornalismo, foi possível, então, ir além das constatações, até certo ponto naturais, para mostrar como se pode fazer um outro jornalismo, rompendo a objetividade. Assim, localizamos modelos produzidos por estudantes da UNESP na fase de conclusão do curso, com ênfase para o Jornalismo Literário Avançado, uma ferramenta que se adapta, como uma luva, ao jornalismo ambiental, por suas características de envolvimento profissional com a fonte – mediante entrevistas de imersão -, de investigação aprofundada e de criatividade na narrativa sempre a partir do fato real, com direito a entrevistar e escrever sob impacto de forte emoção. Os textos considerados modelares são de alunos que tiveram a ousadia de sair do lugar comum. Uma aluna – única que não é da UNESP – dá voz ao rio de sua cidade e com isto ‘escandaliza’ o editor ao ‘convidar’ o rio para sentar-se numa roda de bar entre outros moradores antigos do lugar (Salesópolis-SP). A partir daí o rio fala, pensa, faz gestos…(Recusando-se a publicar a matéria, o editor asseverou: ‘as pessoas não vão entender isto‘). Outra aluna foi ao encontro dos moradores de rua de São Paulo, convivendo em dezenas de horas de entrevistas com os usuários de um albergue, sem pressa, para compreender a alma das pessoas que ela descreve, respeitosamente, como ‘em situação de rua’. Não consegue evitar as lágrimas com as histórias que ouve e acaba chorando junto com o entrevistado, tamanha a dor dos excluídos. (‘As pessoas mudam de calçada quando nos avistam porque temos dificuldade para tomar banho‘, lamenta-se um deles).

A terceira aluna citada como modelo foi parar no meio da mata para testemunhar como os mateiros lidam com a natureza, com os animais silvestres, os passarinhos, imitando o som deles para atraí-los numa reserva ambiental. Descreve a emoção de abraçar uma árvore, o acolhimento respeitoso da gente simples que lhe deu pouso e comida durante os dias da reportagem.

Abordagem sistêmica

O quarto trabalho vem de um presídio onde os preconceitos cedem lugar ao reconhecimento do talento, da emoção e da grandeza que também existem no coração de pessoas que erraram e que querem dar a volta por cima e que têm esse direito. São histórias que falam de gente e não de números ou de estatísticas. São histórias onde o coração abre passagem para a emoção e a diferença. São histórias apuradas e escritas sem pressa, sem frieza, sem distanciamento, sem objetividade. E também sem imparcialidade, pois há momentos em que é necessário assumir atitudes e deixar de lado a suposta neutralidade para denunciar as injustiças. Por isto Marx diz que os filósofos analisaram o mundo, mas chegou a hora de transformar o mundo. Já não basta ‘pensar’ com Descartes para existir. Quem não quer ser ‘mais um jornalista’, deve escolher, optar, sentir a dor do outro. Isto é jornalismo humanista.

Se queremos transformar o mundo, se queremos romper os paradigmas estabelecidos, será que não poderíamos pensar em uma proposta de educação ambiental integrada e permanente através do jornalismo? Para tal propósito, convém deter-se, um pouco, na fundamentação do conceito de integração. Podemos relatar exemplos concretos nos quais a integração ajuda a mostrar o mundo de outra forma, a partir de uma cultura de paz, seja em regiões de conflito internacional, seja nos exemplos de livros-reportagem produzidos pelo Projeto São Paulo de Perfil, sob a coordenação da professora Cremilda Medina, na ECA-USP, ou nas atividades de jornalismo ambiental da professora Ilza Girardi Tourinho, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, seja na integração dos empresários com as comunidades carentes através da pedagogia cidadã presente no Projeto Mesa Brasil, do Serviço Social do Comércio-SESC. A idéia de integração também pode ser analisada no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, através da proposta de Educomunicação que reconhece a necessidade de um jornalismo mais envolvido com o meio ambiente e a educação popular. Concluimos com a necessidade de ampliar os exemplos já citados e inaugurar uma parceria permanente entre todas as entidades envolvidas e a sociedade, com intensa participação popular, nos moldes da Agenda-21, emanada da Rio-Eco-92.

Nossa esperança é que as informações contidas neste trabalho possam ter alguma utilidade para os estudantes de jornalismo. Pretendemos atrair a atenção deles para o problema ambiental a partir de um posicionamento crítico. Queremos que eles estudem a abordagem sistêmica para estabelecer as necessárias relações entre os fenômenos que testemunharão como jornalistas. Para que possam ser cidadãos de fato, com garra, ética, emoção e criatividade.

Conclusão

O jornalismo ambiental vem crescendo de importância nas últimas décadas, tendo em vista o agravamento da crise ecológica que desperta o interesse de toda a sociedade. Neste convite aos estudantes de jornalismo para que voltem o olhar para a centralidade da questão ambiental, tivemos a preocupação de mostrar que o tema é essencialmente interdisciplinar, o que exige uma abordagem sistêmica para a sua compreensão.

Mesmo delimitando o objeto de estudo ao item específico do consumo sustentável, dentre tantos outros que poderiam ser aqui abordados, não se pode evitar o amparo de várias disciplinas e de vários pontos de vista, num ampliado olhar sobre filosofia, religião, sociologia, economia, midiologia, pedagogia, psicologia etc.

Com efeito, nem a mídia nem o ensino de jornalismo apresentam esse viés sistêmico na abordagem do tema. A mídia não se preocupa em educar de modo permanente para o consumo sustentável, nem busca nenhum tipo de integração com outros segmentos para viabilizar tal compromisso social, enquanto a escola superior sequer está empenhada, ainda, com a introdução de estudos de graduação e de pós-graduação sobre educação ambiental através do jornalismo, salvo raras e honrosas exceções.

Central de pautas

Do mesmo modo que ocorreu com a conscientização ecológica universal nos idos da década de 1970, principalmente a partir dos jovens, resta claro que, também hoje, é a sociedade civil organizada que vem impulsionando os debates e cobrando posições da Universidade, da Sociedade, do Poder Público, dos Meios de Comunicação. Entretanto, as organizações não-governamentais – que são incansáveis na promoção de eventos, na divulgação de notícias ambientais pela Internet, no apoio à publicação de livros e teses sobre a questão, no incentivo aos TCCs sobre jornalismo ambiental – não contam com qualquer apoio oficial em seu trabalho. As verbas de publicidade da Secretaria de Comunicação da Presidência da República destinam-se apenas à mídia convencional, por se considerar, equivocadamente, que a mídia ambiental não é vista nem lida. Ignoram que essa mídia dirige-se a um público formador de opinião que age em todos os países, tendo, portanto, enorme poder de persuasão e convencimento, além de expor idéias claras sobre um ambientalismo voltado para a defesa da vida, em confronto com um conservacionismo ambiental voltado apenas para a sustentação do capital e dos grandes projetos. Nem sempre a mídia convencional ‘pode’ ter essa clareza, tendo em vista os inúmeros interesses que envolvem os grandes anunciantes, entre eles a área oficial, muitas vezes inviabilizando qualquer pauta que contenha visões críticas sobre o atual modelo de produção, ou sobre um consumismo exacerbado, que aprofunda a injustiça social, sobrecarrega o meio ambiente – com a profusa geração de lixo não orgânico – e transforma as pessoas em consumidores psicologicamente dependentes, distanciados da vida simples que poderia lhes trazer mais felicidade, embora com menos anúncios para a mídia.

Cumpre analisar outro ponto importante que é o papel do Ministério do Meio Ambiente no Brasil. Tradicionalmente esse Ministério opera com falta de quadros especializados e de recursos suficientes, diante do tamanho do desafio à sua frente, além de ser visto, pelos grandes interesses econômicos, como fator limitante de suas ambições. Nota-se, ainda, uma forte pressão internacional sobre as ações do Ministério, como se viu recentemente no caso da soja transgênica que acabou sendo plantada e colhida com apoio do próprio Ministério da Agricultura, da Federação Nacional da Agricultura e de outros grupos de pressão liderados pela multinacional Monsanto, mesmo à revelia da ministra do meio ambiente, Marina Silva.

Todavia, no atual governo, nota-se um esforço no rumo da educação ambiental, através de entidades de formação vinculadas ao Ministério, das quais têm emanado boas iniciativas como o Projeto de Educomunicação Ambiental, envolvendo jornalismo e educação. Mesmo assim, caberia mais apoio, por exemplo, à Assessoria de Comunicação Social do próprio Ministério que opera com apenas cinco funcionários, e que poderia ser uma central de pautas ambientais a serem ‘sugeridas’ (não impostas, claro) a toda a mídia.

Missão do jornalista

Esta pesquisa, ao mesmo tempo que critica a falta de espaço para a manifestação do consumidor na mídia convencional, também relaciona as boas iniciativas que vêm sendo realizadas em todo o mundo, seja no âmbito dos governos nacionais (com legislação ambientalmente correta que impõe freios à ambição capitalista), seja na área da iniciativa privada (com empresas que apóiam o comércio socialmente justo, aquele que não explora crianças e nem exclui índios e mulheres no processo de produção). Por todo o mundo, às vezes silenciosamente, milhares de pessoas estão trabalhando pela paz através do meio ambiente. Esse valioso trabalho se verifica tanto no recolhimento de uma sala de aula (através da visão sistêmica de um professor e de seus alunos), como nas ruidosas áreas de conflitos internacionais (sob os auspícios da ONU e de entidades voluntárias voltadas para a paz mundial); ou ainda no âmbito da sociedade civil, como fazem os comerciantes brasileiros, através do projeto Mesa Brasil, gerido pelo SESC, uma entidade amiga do movimento ambientalista. São pessoas que reconhecem o perigo da crise ambiental, mas têm uma visão sistêmica suficientemente ampla para abarcar todo o processo e não apenas parte dele. Elas vislumbram a possibilidade de outro mundo, por isto não desistem nunca.

O outro ponto é a necessária integração de todos os esforços para que, através da refundação da ética – privilegiando o coletivo ao invés do individual – se possa chegar a uma estética socialmente justa, a estética da harmonia e da solidariedade, para substituir o egoísmo, a violência, a prepotência, a corrupção, a frieza do mundo.

Por isto os estudantes de jornalismo são convidados a romper o paradigma da objetividade, aparelhando-se com amplo volume de boas leituras, mergulhando no aprendizado sistêmico para, através de ferramentas como o Jornalismo Literário Avançado, os gêneros do jornalismo, as entrevistas e perfis de imersão, capacitarem-se a produzir um jornalismo diferente, desapegado das estatísticas frias e dos procedimentos-padrão do jornalismo americanizado e funcionalista. Que se possa fazer jornalismo com emoção e com garra, sem jamais fazer concessões à ética e ao comportamento moral, privilegiando as minorias e os excluídos, buscando suas fontes lá onde o povo está com sua dor, sua alegria, suas conquistas, seus sofrimentos; reconhecendo que nem sempre a verdade está nos palácios e nas salas com ar condicionado. Que nossos jornalistas possam aprender a ‘reconhecer’ o mundo, com seus fenômenos complexos, para, só então, ‘compreendê-lo’, como ensinam Paulo Freire e Edgard Morin, entre outros grandes nomes. Que o ensino de filosofia e de ética sejam valorizados na área acadêmica, que os estudantes sejam ouvidos quando das reformas curriculares, que o ensino se abra para o mundo sem fronteiras e que os estudantes adquiram condições de estar no mundo para julgá-lo e não apenas para presenciá-lo, se realmente querem transformá-lo, como deseja Marx.

Por fim, que nossos futuros jornalistas compreendam a importância do seu papel na sociedade e que não fujam desta missão. Pelo contrário, que se atirem a ela a partir do estudo sério e acurado das grandes questões que interessam a todos, entre elas a questão ambiental que não envolve, naturalmente, apenas o consumo sustentável aqui explorado para efeito de delimitação acadêmica da pesquisa. Trata-se, isto sim, de um processo em permanente transformação visando estudar as relações entre o homem, a natureza e o Ser Cósmico que dá sentido à própria Vida e que cada um nomina, na intimidade das suas convicções, segundo o seu coração.

Uma palavra de Marx

Que tenham o amor de Che Guevara (‘El verdadero revolucionario es animado por fuertes sentimientos de amor. Es imposible pensar un revolucionario autentico sin esta cualidad’) e a paixão de Camilo Torres (a respeito do qual se disse, como já citado: ‘Jogou-se inteiro porque entregou tudo. A cada hora manteve com o povo uma atitude vital de compromisso, como sacerdote, como cristão e como revolucionário’). Que nossos jovens voltem o seu olhara para a América Latina cujas elites insistem no ‘crescimento imitativo’ que permite a poucos viverem como que em ‘ilhas da fantasia’ enquanto milhões não têm moradia, saneamento básico, água potável, atendimento à saúde, à infância, aos pobres e aos excluídos. Que estudem Jesus Martin Barbero,1987 (‘A chave para a América Latina é adotar a tecnologia dos países ricos sem perder de vista a realidade regional’).

Que nossos jovens também se voltem para a África, um continente humilhado, vilipendiado, roubado e atirado à própria sorte para que irmãos se matem no desespero das guerras fratricidas que não são gratuitas, que têm um motivo, que foram geradas no ventre malévolo da exploração capitalista das grandes potências agora voltadas para o combate a um inimigo sem cabeça e que não se pode ver, que é o terrorismo internacional, uma ameaça para todos, resultante da ganância exclusivista de poucos.

Tudo o que desejamos é que nossos jovens, nossos estudantes de jornalismo, não se voltem contra a sociedade de onde vieram, que não traiam jamais o grande ideal que os animou a serem jornalistas, que tenham fé na humanidade, que possam compreender a complexidade do mundo e que jamais percam a esperança de transformá-lo, para que seja mais humano e mais justo.

Para terminar, uma palavra de Marx, a mostrar a necessidade de rever as estruturas, de não aceitar o que está dado: ‘La teoria materialista de que los hombres son producto de las circunstancias y de la educación, y de que, por tanto, los hombres modificados son producto de circunstancias distintas y de una educacion distinta, olvida que las circunstancias se hacen cambiar precisamente por los hombres y que el próprio educador necessita ser educado’. (Tercera Tesis sobre Feuerbah).

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Professor de jornalismo da Unesp-Bauru (SP)