Aberta à visitação pública
Os responsáveis pelos indicadores da liberdade de informação podem marcar um ponto positivo para o Brasil nesta semana, com a decisão do Superior Tribunal Militar de permitir o acesso de jornalistas, historiadores e outros estudiosos ao processo que condenou à prisão a presidente eleita, Dilma Rousseff, em 1970.
A Folha de S.Paulo vinha tentando desde maio obter a liberação dos documentos, que estavam trancados em um cofre do tribunal, mas o acesso estava vetado pelo presidente do STM, ministro Carlos Alberto Marques, por causa do risco de uso eleitoral de seu conteúdo.
São ao todo 16 volumes, que relatam interrogatórios de 72 réus, entre os quais a militante do movimento de resistência armada contra a ditadura militar que veio a ser eleita presidente da República no dia 31 de outubro.
Foram dez votos a favor da liberação de consultas contra apenas um, do almirante Marcos Martins Torres, relator do processo, que apresentava como justificativa, entre outras, a necessidade de preservar a privacidade dos réus.
A Folha de S.Paulo e outros interessados somente poderão consultar o processo após a publicação da ata da sessão, o que está previsto para a próxima semana.
Inicialmente, apenas representantes do jornal paulista terão esse direito, uma vez que a liberação ocorreu a seu pedido.
Posteriormente, qualquer pesquisador que se credenciar como tal poderá também ler os autos.
A advogada da Folha lamentou que a liberação só tenha ocorrido depois das eleições.
O jornal certamente prepara uma reportagem especial com base nos documentos.
No entanto, sabe-se desde já que os registros contêm elementos contraditórios: ali não consta, por exemplo, a descrição de torturas a que a militante Dilma Rousseff teria sido submetida durante os interrogatórios.
Em princípio, qualquer jornalista que receba a tarefa de analisar os documentos tem por obrigação levar em conta que, naquele período, o Judiciário estava submetido aos rigores da ditadura.
Portanto, nem tudo que está registrado é a verdade dos fatos, e muitos dos fatos reais estarão ausentes desses registros.
Como se sabe, a verdade e a Justiça são algumas das primeiras vítimas dos regimes ditatoriais.
A raposa no galinheiro
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– A cobertura do processo de preparação e o subsequente noticiário produzido a partir do seminário internacional “Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias”, realizado na semana passada, em Brasília, trouxe à luz dois aspectos distintos e, por assim dizer, complementares.
O primeiro deles tem a ver com a definitiva inserção do tema regulação no cada vez mais intenso debate sobre os rumos da mídia brasileira, seu desempenho e suas responsabilidades. O segundo diz respeito à reveladora má vontade com que a mídia em geral, e a imprensa em particular, dedicou e dedica à abordagem desse assunto.
Em suma: a mídia brasileira, a despeito do papel central que desempenha – ou deveria desempenhar – na vida social e democrática, tem ojeriza a uma discussão pública sobre si própria. Não quer e nem admite que sua atividade seja exposta ao escrutínio público. E pior: não percebe que essa exposição pode se converter em um instrumento importante de conquista e fidelização das audiências, além de ferramenta para promoção e reforço de suas marcas.
Um dos primeiros desdobramentos do seminário encerrado semana passada será a formulação de um anteprojeto de lei para a revisão e aprimoramento do marco regulatório das comunicações brasileiras. De acordo com noticiário da Agência Câmara (11/11/2010), o texto “pode tornar explícita a proibição de deputados e senadores serem proprietários de emissoras de rádio e TV”.
Esta é uma antiga preocupação deste Observatório, que em 2005 realizou uma pesquisa sobre a presença de parlamentares no controle de canais de radiodifusão – prática proibida pela Constituição Federal – e, a partir de seus resultados, encaminhou representação à Procuradoria Geral da República solicitando medidas judiciais cabíveis para coibir esse clamoroso conflito de interesses.
O líder do Partido Democratas, deputado Paulo Bornhausen, ouvido pela Agência Câmara, avaliou que, nesses casos, “basta cumprir as regras [constitucionais] existentes”. Mas não parece ser tão simples assim. De resto, o parlamentar demonstra desconhecer a velha parábola da raposa guardiã dos galinheiros.