A imprensa perdeu
Absolvido no primeiro julgamento por falta de decoro parlamentar, Renan Calheiros se torna o inimigo número um da imprensa.
Seu grande crime: impedir o acesso à informação.
Dines:
– Foram duas as agressões: a primeira, escancarada, foi a absolvição do presidente do Congresso, Renan Calheiros que segundo a Polícia Federal cometeu vários ilícitos. A segunda agressão, mais grave, aterradora, pode ser chamada de ‘apagão’ institucional. O Senado da República foi convertido desde a terça feira num verdadeiro porão — fechado, lacrado, blindado ao escrutínio da sociedade, ilha autoritária em plena Praça dos Três Poderes. A varredura eletrônica do plenário, a proibição do uso de computadores pelos senadores, a recomendação para que os celulares fossem desligados e finalmente o pugilato entre os leões-de-chácara e os deputados que foram autorizados pelo STF a assistir ao julgamento desvendam a razão do secretismo da sessão: – impedir a presença da mídia. Renan Calheiros e os cangaceiros de todo o país que o apóiam sabiam que a presença da imprensa seria a única força capaz de impedir a absolvição. Apostaram todas as fichas no sigilo. Não se importavam em agredir a sociedade, só não queriam testemunhas. Os malfeitores trabalharam no escuro, eles têm prática, ganharam o primeiro round. Nos próximos, será diferente — terão que ser travados às claras.
Vitória do Senado
O Senado Federal disse claramente à sociedade que não considera haver provas suficientes para cassar o mandato do seu presidente por falta de decoro parlamentar.
Tecnicamente, o julgamento foi perfeito.
Segundo o senador Francisco Dornelles, do PP do Rio, ex-secretário da Receita Federal, não há provas nem mesmo de crime tributário contra Renan Calheiros no caso do pagamento de pensão à sua ex-namorada, Mônica Veloso.
Dornelles não escondeu seu voto. Pelo contrário: mandou sua assessoria distribuir um comunicado relatando sua intervenção em defesa de Renan durante a sessão secreta.
O argumento do ex-secretário da Receita Federal pesou no julgamento, dando aos indecisos um argumento técnico para a abstenção ou para o voto na presunção de inocência.
Mas apenas o Estado de S.Paulo deu atenção ao detalhe, que poderia mudar as opiniões sobre a decisão do Senado.
Ao escolher a decisão técnica, contra a pressão absoluta da imprensa, o Senado sai vencedor.
Derrota do Senado
A Folha de S.Paulo publica entrevista do senador petista Aloizio Mercadante, na qual ele cita o parecer de Dornelles para justificar sua abstenção.
Mercadante afirma que, ao se dar conta de que tecnicamente não havia como condenar Renan, apresentou requerimento para adiar a sessão, mas foi derrotado no encaminhamento.
Segundo Mercadante, até mesmo o senador Eduardo Suplicy se convenceu, com a explicação do ex-secretário da Receita, de que Renan não havia atentado contra o decoro parlamentar no caso específico em que estava sendo acusado.
Mas o julgamento de Renan Calheiros também é político.
A considerar a reação unânime da imprensa, o Senado foi condenado ao absolver seu presidente.
O umbigo da imprensa
Os jornais de hoje estampam o conflito que se estabeleceu entre o poder legislativo da República e o informal, mas concreto, poder da mídia.
O Senado ignorou a pressão unânime da imprensa.
Resta à imprensa explicar aos seus leitores o que realmente aconteceu.
Mas esse serviço não é prestado nas edições de hoje.
Aposta errada
Não basta, como faz a Folha de S.Paulo, dizer que alguns senadores mentiram ao anunciar que votariam pela cassação e optando depois pelo voto a favor de Renan ou pela abstenção.
Com base nas declarações de intenção de voto, a Folha havia apostado na cassação por 41 a 37.
O imenso umbigo do jornal o impede de admitir que os senadores possam simplesmente ter mudado de idéia, diante do argumento de um especialista de que não havia provas para tirar o mandato de Renan Calheiros.
O Globo chama os senadores de covardes. Um de seus colunistas chega a afirmar que o Senado Federal acaba de cometer suicídio coletivo.
Considerando-se que os parlamentares precisam da opinião pública a seu favor, pode-se imaginar o contrário, ou seja, que os senadores foram corajosos ao afrontar a vontade unânime da mídia, correndo o risco de serem execrados na póxima eleição.
Hora de investigar
Renan ainda terá de responder a pelo menos duas outras acusações.
Antes disso, certamente o Senado terá mudado as regras, impedindo que se repita a sessão secreta que produziu cenas de luta-livre na porta do plenário, entre seguranças e deputados.
Está mais do que na hora de a imprensa retomar seu verdadeiro papel, o de informar a opinião pública.
É preciso investigar a vida de Renan Calheiros.
Mas também seria útil conhecer melhor os senadores que ele ameaçou ontem durante os debates.
A sociedade precisa saber, afinal, o que esses parlamentares têm a esconder.
Algumas dúvidas
A absolvição de Renan Calheiros, no julgamento específico sobre a origem do dinheiro que paga a pensão da ex-namorada e sua filha, cria um momento único para a análise da imprensa.
A imprensa não pode descartar a hipótese de que o Senado tenha votado conscientemente contra a cassação, por não haver provas de que ele tenha usado dinheiro da empreiteira para cobrir as despesas.
Também não é absoluta a afirmação de que a votação tenha sido resultado apenas de manobras do governo. Afinal, segundo o Globo, pelo menos cinco senadores do Partido Democratas e três do PSDB teriam votado a favor de Renan.
E não consta que esses dois partidos tenham qualquer afinidade com os interesses do governo.
Além disso, a julgar pelo clima de guerra que se estabeleceu após o julgamento, com a oposição decidida a bloquear a votação da CPMF, o Exefutivo pode sair perdendo com a absolvição de Renan.
Não basta fazer afirmações para que a verdade apareça.
O clamor público
A Ordem dos Advogados do Brasil distribuiu nota à imprensa para protestar contra o resultado do julgamento.
O presidente da OAB, Cezar Britto, disse à Folha de S.Paulo
que o resultado da votação, na contramão do clamor público, distancia ainda mais o Senado da sociedade.
O jornal não lhe perguntou se, em qualquer caso de clamor público, os advogados deveriam ser dispensados da defesa, já que a condenação, no seu entender, seria automática.
O Senado ignorou o clamor público. Cada senador votou conforme sua vontade, entre as pressões da imprensa e do governo.
O Estadão lembra que Renan Calheiros ainda vai ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ele é alvo do inquérito policial número 2.593, acusado de corrupção, uso de notas frias e enriquecimento ilícito.
Mais uma oportunidade para uma justiça que satisfaça a imprensa e o clamor público.