Grosseria e preconceito
Demitido por telefone, conforme anuncia a Folha de S.Paulo desta segunda-feira, ou pela internet, segundo o Globo, o técnico Carlos Dunga segue de vez para a lata de lixo da história do futebol brasileiro.
Não há contemplação: assim como o goleiro Barbosa foi responsabilizado, durante décadas, pela derrota para o Uruguai na Copa de 1950, Dunga fica para a memória coletiva, juntamente com seu pupilo Felipe Melo, como o símbolo da incompetência em 2010.
Quem decide sobre mocinhos e vilões é a imprensa. E a imprensa decretou que os dois são os culpados pela desclassificação que o país do futebol considerou prematura.
Desde o final da partida de sexta-feira, contra a Holanda, os analistas vêm desancando o ex-técnico, o irritadiço volante Felipe Melo, que se tornou seu alter ego dentro do campo e até o armador Kaká, que chegou à seleção como o queridinho da mídia.
Sobram adjetivos pesados e o jornalismo se mistura aos mais baixos instintos das arquibancadas.
Mas nada supera, em termos de baixaria, a tentativa desastrada de humor que foi cometida pela equipe do canal SporTV, do Grupo Globo.
A vítima não era Dunga e nossa seleção perdedora, mas o Paraguai.
Não o time de futebol, mas o país Paraguai e o povo paraguaio.
Antes do jogo no qual a seleção paraguaia foi derrotada pela Espanha, a emissora colocou no ar uma montagem na qual chama o Paraguai de “paraíso obscuro do mundo”. Deprecia a economia, a gastronomia e os atributos físicos dos paraguaios e termina desqualificando sua música popular.
A cantora Ramonita Vera, citada de maneira desrespeitosa, respondeu com classe.
“Se nota de longe que os brasileiros não têm humildade”, afirmou. E acrescentou, referindo-se ao autor da brincadeira de mau gosto: “Não sei se se pode chamar essa pessoa de jornalista”.
Depois do jogo contra a Espanha, a SporTV pediu desculpas, mas de maneira arrogante.
Não conseguiu desfazer a impressão de que o jornalismo está sendo invadido pela praga do humor escrachado que grassa na televisão.
Faltou respeito, faltou bom senso, faltou qualidade e faltou humor.
Um momento tão feio quanto o pisão de Felipe Melo no adversário holandês.
(Veja no site http://il.youtube.com/watch?v=nHGL8pbFWDk)
Entre Dunga e Maradona
Alberto Dines:
– O terceiro tempo já começou e será muito mais desagradável do que o segundo, o inesquecível pesadelo em Nelson Mandela Bay, Port Elizabeth, África do Sul. A seleção argentina e especialmente o seu técnico, Diego Maradona, foram literalmente humilhados pelos alemães em campo e nas manchetes da imprensa internacional. Mesmo assim, foram recebidos ontem, domingo, com muito respeito. Dez mil torcedores foram a Ezeiza, Buenos Aires, solidarizar-se com o ídolo caído.
Nosso fiasco no gramado foi muito menor, o placar foi menos vexatório, a mídia mundial não nos espezinhou, apenas lamentou, mas aqui a indignação contra Dunga e seus pupilos é gritante. Há um clima generalizado de malhação e uma raivosa caça aos bodes expiatórios que não condiz com a nossa cordialidade e bonomia. E quem está vocalizando a exibição de rancor é a imprensa.
Convém lembrar que no mesmo dia em que nossos guerreiros/cervejeiros foram obrigados a engolir a laranjada holandesa, a Folha publicava uma sondagem onde Dunga tinha 69% de aprovação popular. Erro de tabulação, inconstância da opinião pública ou perfídia de uma imprensa que esquece os verdadeiros culpados pela lambança – os cartolas – e investe apenas contra seus medíocres prepostos?
Dunga foi desastrado e desastroso no trato com a imprensa, disso não há menor dúvida. Mas quem escolheu Dunga e deu-lhe cobertura em todas as crises foi o chefão da CBF, Ricardo Teixeira. No antigo Japão quem cometia o haraquiri era o chefe supremo, aquele que escolhia o responsável pelo fracasso (quando não os dois). Maradona soube interpretar magistralmente a vocação melodramática argentina, por isto está sendo amparado, ao menos neste início da ressaca. A imprensa o ataca por tabela para atingir seus padrinhos, o casal Kirchner, empenhado numa queda de braço com os meios de comunicação.
Mas a indicação do casmurro, bronco, zangado e incompetente Dunga contrariou radicalmente todos os arquétipos e paradigmas da alma brasileira; infame foi quem o preferiu contrariando toda a lógica e as esmagadoras evidências. Qual o grande grupo brasileiro de mídia que terá a coragem de peitar o caudilho Ricardo Teixeira ?
De nada adiantará a renovação total do plantel de jogadores para o Mundial de 2014 sem o indispensável saneamento dos bastidores do futebol. E para levar este processo às últimas conseqüências será preciso repensar o papel dos jornalistas na cobertura do espetáculo desportivo.