Uma chance para o Brasil
Jornais importantes de todo o mundo destacam hoje as preocupações das autoridades monetárias com a inflação global provocada pelo aumento de preços dos alimentos.
O preço do trigo sugiu 120% em um ano, o que compromete a alimentação básica de muitos povos, em especial os africanos e os países mais pobres do Leste Europeu.
De passagem, algumas reportagens reproduzem declarações contra os biocombustíveis, mas, pelo menos na imprensa brasileira é feita a devida distinção entre o etanol de cana, produzido no Brasil, e o etanol de milho, dos Estados Unidos, que disputa espaço com a produção de alimentos.
De modo geral, os jornais brasileiros apresentam uma cobertura diversificada, com base no farto material distribuído pelas agências internacionais e a divulgação de dados e declarações feita diretamente por organismos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial.
A crise dos alimentos tem dois aspectos básicos, segundo a imprensa: pode provocar a desestabilização social e política em cadeia, em grande número de países pobres, ampliando tensões latentes no cenário global, e pode causar perdas econômicas em países emergentes que recentemente conquistaram posições mais competitivas no mercado.
O Brasil aparece no noticiário como um dos países com menor risco de conturbação, por conta dos ganhos sociais nos últimos anos, que permitiram reduzir os níveis de pobreza e, portanto, diminuir o número de habitantes que ainda têm na conquista do alimento o principal desafio de todos os dias.
No entanto, alguns jornais se referem superficialmente a uma possível pressão das lavouras destinadas à produção do biocombustível sobre as áreas de cultivo de alimentos.
Os jornais brasileiros e os principais diários internacionais destacam declaração do presidente Lula, dizendo que, dos 851 milhões de hectares de terra que o Brasil possui, 400 milhões de hectares são terras agriculturáveis, dos quais menos de 40% são explorados. Lula ainda se referiu a 60 milhões de hectares, área superior ao território de muitos países, que são compostos por terras degradadas que podem ser recuperadas para a produção de alimentos.
O vilão do noticiário de hoje são os Estados Unidos, cuja produção de etanol à base de milho vem roubando áreas tradicionalmente destinadas ao alimento, o que já provocou no México e outros paises vizinhos a chamada revolta da tortilha.
Além disso, a imprensa cita a política de subsídios americana, que reduz a competitividade dos agricultores dos países emergentes.
A disposição do governo brasileiro de partilhar tecnologia agrícola com os países pobres foi elogiada em toda a imprensa.
Da mesma forma, os jornais citam autoridades internacionais, que defendem a adoção, em nível global, das políticas sociais de distribuição de renda adotados no Brasil, como o programa Fome Zero.
Esta é uma boa oportunidade para a imprensa brasileira mergulhar um pouco mais fundo em temas que costuma evitar.
Por exemplo, discutir a reforma agrária, os modelos alternativos para a agricultura e a limitação da atividade agropecuária na Amazônia.
O caos aéreo dos outros
Um bom exercício para a observação da imprensa nesta semana é a crise aérea americana.
Alberto Dines:
– A mídia parece muito feliz com o caos aéreo que promete estabelecer-se hoje nos Estados Unidos. Os 570 vôos cancelados na maior empresa americana estão lavando a alma daqueles brasileiros que preferem comparar-se ao gigante americano do que ver nossas mazelas corrigidas. Em outras palavras, se no Tio Sam há um apagão de grandes proporções, temos o direito de ter os nossos apagõezinhos cotidianos. Acontece que o apagão aéreo americano foi determinado pela Agência Federal de Aviação, a equivalente de nossa ANAC, que exigiu uma vistoria imediata em 132 aviões do tipo MD-80 da frota da American Airlines. As nossas autoridades teriam a coragem de tomar a mesma providência? Nossa mídia teria coragem de bancar uma decisão tão drástica e tão impopular? Não precisamos chegar a tanto – bastaria que nossa imprensa denunciasse a progressiva reversão do elenco de medidas de segurança adotadas depois da tragédia com o Airbus da TAM em Julho passado. É certo que as pistas de Congonhas foram reparadas e são fechadas quando chove, mas o aeroporto está novamente engarrafado com as fantásticas promoções de viagens a 48 reais. Nosso duopólio faz o que quer e a mídia não se importa.