A briga é dentro da polícia
Só a Folha de S. Paulo faz hoje a pergunta mais óbvia e relevante: por que, se há tempo se sabia dos planos dos bandidos de atacar grupos de extermíno; por que, se uma reunião feita por bandidos na Mangueira há alguns dias foi monitorada pelos serviços de informação, a polícia do Rio de Janeiro não agiu preventivamente? A Folha faz a pergunta, mas não responde, perde-se no disse-que-disse teatral das autoridades.
A razão por que as polícias não agiram preventivamente está relacionada ao anúncio, pelo governador eleito Sérgio Cabral, há mais de vinte dias, da composição de sua equipe na área de segurança pública. Os escolhidos para comandar a PM, coronel Ubiratan Ângelo, e a Polícia Civil, delegado Gilberto da Cruz Ribeiro, sofrem resistências em suas corporações.
Ou seja, quem deu o “recado” para o futuro governo não foram os bandidos, foram, por inação, policiais, alguns deles bandidos.
Imprensa inconsciente
O secretário de Direitos Humanos do Estado do Rio, Paulo Baía, manifesta sua preocupação:
Baía:
– É isso que me irrita nos jornalistas. A pergunta mais óbvia a ser feita é a que você fez: se eles sabiam, por que não fizeram nada? Quando você cruza as ações que a Secretaria de Administração Penitenciária tomou em função das informações e as ações que a Secretaria de Segurança não tomou, você vê a discrepância.
Mauro:
– As providências tomadas pelo secretário da Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, consistiram em mudar de cadeia, entre terça-feira e quinta, cerca de 3 mil presos, para tentar desarticular seus contatos. O Estadão informa apenas que Astério determinou o isolamento de chefes de facção em Bangu III. Ontem, no noticiário de televisão, com um dia inteiro para apurar os fatos e refletir sobre eles, a tônica foi toda calcada nas divergências entre declarações do secretário de Segurança, Roberto Precioso, e o secretário Astério, de um lado, e entre a governadora Rosinha Garotinho e o governador eleito Sérgio Cabral, de outro.
Presença torta do Estado
Em tese de doutorado que defendeu na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, intitulada “A Tradição Reconfigurada: Mandonismo, Municipalismo e Poder Local no Município de Nilópolis e no Bairro da Rocinha na Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, Paulo Baía aponta um dos grandes equívocos que se cometem em relação às chamadas milícias, que é o de achar que sua presença se deve ao vácuo de poder do Estado e que elas garantem a ordem pública. Baía afirma que os governos se mostram permeáveis à ação de grupos de extermínio, “polícias mineiras” e pistoleiros.
Ver também ‘Secretário diz que divisão interna prejudica a Polícia e que ação preventiva teria reduzido ataques do crime no Rio‘.
Clique aqui para ter acesso ao pdf da tese de doutorado de Paulo Baía.
Ligar os radares
Alberto Dines diz que a imprensa não se deu conta do quadro existente no país e, com isso, deixou de pressionar as autoridades para uma ação mais efetiva.
Dines:
– Os jornais de hoje quase só falam dos ataques dos bandidos ocorridos na madrugada de ontem, quinta, no Rio de Janeiro. Mas e os jornais de ontem, o que diziam sobre a guerra travada pelo narcoterrorismo em diversos estados brasileiros? Quase nada. Registraram a morte do adolescente vitimado por uma bomba incendiária num trem suburbano em São Paulo e deram-se por satisfeitos. E no dia anterior? Anunciaram o próximo casamento do facínora Marcola num presídio de segurança máxima. Jornais não têm obrigação de adivinhar ou antecipar fatos que ainda não ocorreram. Mas esta guerra contra o narco-terrorismo tornou-se uma realidade cruel há muitos meses e não há indícios de que tenha arrefecido. Assim como as páginas internacionais dos nossos grandes jornais mantêm a situação no Iraque como assunto obrigatório o mesmo deveria ser feito com a questão da segurança que atingiu proporções de guerra civil. Quando a imprensa olha para o lado, as autoridades também olham para o lado e nesta hora é que os bandidos costumam agir. A sociedade brasileira já sabe que jornais são jornais e polícia é polícia, cada um é talhado para desempenhar determinado papel social. Mas entre as responsabilidades da imprensa está a de manter os radares ligados e acionar os alarmes que for necessário. Se o Estado não tem competência nem inteligência para antecipar-se aos criminosos, só isso justificaria uma estridente advertência.
Elite da tropa
Hoje, na Ilustrada da Folha, fala-se do filme Tropa de Elite, baseado no livro Elite da Tropa, escrito por um oficial da PM fluminense, ex-integrante do Batalhão de Operações Especiais, um ex-oficial e um ex-coordenador de Segurança do estado. Quem lê o livro não pode se satisfazer com as declarações das autoridades, que sempre encobrem mais do revelam.