O inverno de Sarney
O senador José Sarney cometeu dois erros táticos que podem lhe custar o cargo de presidente do Senado.
Mas não há perigo de perder o mandato.
O primeiro erro foi o de afirmar que está sendo perseguido por apoiar o presidente da República.
A declaração afastou seus apoiadores do Partido Democratas e os do PSDB que faziam vistas grossas ao escândalo.
O segundo erro foi o de se dizer vítima de uma “campanha midiática”.
Essa tentativa de responsabilizar a imprensa pelo noticiário negativo a seu respeito deve alinhar os jornais ainda mais por uma resposta satisfatória do Senado ao amontoado de irregularidades que vêm sendo denunciadas desde fevereiro.
A própria Folha de S.Paulo, que vinha dando um tratamento mais brando ao caso do que o Estado de S.Paulo e o Globo, trata nesta sexta-feira de recuperar o espaço perdido e abre três páginas de reportagens sobre o assunto.
Além de fazer um retrospecto das principais acusações, o jornal que abriga o intelectual Sarney aceita finalmente discutir a sério o comportamento do político Sarney.
Mas o jornal que se vangloria de ter o rabo preso com o leitor e de possuir as mais qualificadas “moscas” da imprensa nacional ainda não ofereceu uma justificativa para o fato de manter em seu quadro de colaboradores um articulista com uma folha corrida tão comprometida como figura pública.
A senha para exigir uma resposta satisfatória à opinião pública foi dada quinta-feira à noite pelo Jornal Nacional da Rede Globo. O mais poderoso telejornal do País reproduziu as denúncias do Estadão sobre o envolvimento de um neto de Sarney com operações de crédito consignado e anunciou: “Na crise do Senado, cresce a pressão para o afastamento do presidente da Casa”.
O Partido Democratas anuncia uma posição oficial para a próxima terça-feira.
Sarney já marcou uma série de reuniões para tentar abafar a crise e se aconselhar com seus parceiros.
Mas nenhum analista político arrisca sequer pensar em cassação.
O mais provável é que Sarney renuncie ao cargo de presidente do Senado com um de seus discursos pomposos, tentando dar alguma solenidade ao vexame.
Por baixo dos panos, seus aliados continuam mandando e desmandando no Congresso Nacional, e a imprensa vai procurar outros escândalos com que se ocupar.
Ainda o diploma
Alberto Dines:
As edições de ontem do Globo e da Folha ofereceram sinais de que a grande imprensa está disposta a rever o insensato apoio a duas recentes decisões do Supremo relativas à atividade jornalística. No Globo, um abundante noticiário (p.10) reproduziu o debate do dia anterior sobre o Direito de Resposta, promovido pela Escola da Magistratura do Rio.
Convém lembrar que no fim de abril, a grande mídia exultou com a decisão do STF extinguindo integralmente a lei de imprensa. Arrependeu-se logo depois porque a liquidação pura e simples da lei sem algo que a substituísse deixou um perigoso vácuo legal.
Agora, ao participar do evento dos magistrados (que precisam de leis para basear seus veredictos), fica visível ao leitor que o jornalão carioca está reconsiderando o assunto.
A Folha atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história recente – devido a proximidade com o senador Sarney – por isso foi mais rápida e ressuscitou menos de uma semana depois a questão do diploma de jornalismo através de um artigo do jurista José Paulo Cavalcanti Filho.
Imaginava o jornalão paulista que o nosso maior especialista em direito de comunicação faria coro aos que condenaram o diploma. Já na edição televisiva do Observatório da Imprensa desta terça, mestre Cavalcanti havia arrasado grande parte da argumentação das empresas jornalísticas, e ontem no artigo da Folha foi ainda mais incisivo.
Para o Globo será fácil e conveniente endossar o clamor dos magistrados por um estatuto que regulamente o direito de resposta. Mas para a Folha será mais complicado. Afinal a cruzada contra o diploma foi iniciada por ela há 34 anos e, ao longo deste tempo, publicaram-se os maiores disparates e falácias não apenas sobre o diploma, mas principalmente sobre a profissão de jornalista que o jornal deveria respeitar e valorizar.
A ressaca do “day after” promete muitas emoções.