Com o dedo na ferida
A ombudsman da Folha de S.Paulo, Suzana Singer, comenta na edição deste domingo mensagem de um leitor que diz o seguinte: “Sai do armário, Folha.”
O texto se refere a reportagem publicada na semana anterior, na qual o jornal, aparentemente sem qualquer fato motivador, reafirmava seus princípios editoriais, destacando sua determinação de ser “crítico, apartidário, moderno e pluralista” na cobertura da disputa eleitoral.
Oficialmente, a Folha diz que resolveu reafirmar seus princípios editoriais porque, com o fim da Copa do Mundo, as atenções voltariam a se concentrar na política, com as polêmicas aumentando naturalmente.
A reação dos leitores não foi favorável.
Para a maioria deles, a Folha privilegia um dos candidatos a presidente da República.
Das 25 mensagens analisadas pela ombudsman, 24 acusam a Folha de favorecer o candidato do PSDB, José Serra, enquanto uma afirma que o jornal é favorável à candidata petista, Dilma Russeff.
A situação fica ainda mais estranha porque tanto o jornal quanto os leitores esquecem que há uma terceira opção com condições de chegar ao segundo turno, a candidatura da senadora Marina Silva, do PV.
Segundo a ombudsman, alguns leitores acham que o jornal deveria declarar oficialmente seu voto, em editorial, como fez o New York Times em 2008 em relação a Barack Obama.
O texto da crítica interna expõe um dos dramas dos grandes jornais diante de eventos como a eleição presidencial.
Não há como dissimular as preferências que predominam na imprensa, mas ao mesmo tempo a tradição assumida pela mídia, segundo a qual o veículo, e não o noticiário, deve ser isento, torna desaconselhável abrir o jogo.
Os dirigentes dos jornais entendem que, se declararem qualquer alinhamento com um político ou um partido, podem perder credibilidade.
O comentário da ombudsman da Folha demonstra que a credibilidade também corre risco por causa de declarações solenes que não encontram confirmação no noticiário do dia-a-dia.
Bizarrices do caso Eliza
A leitura de jornais e revistas nos últimos dez dias pode produzir no observador desconfiado a suspeita de que existe um movimento, com participação voluntária ou indireta de alguns veículos da mídia, para livrar o goleiro Bruno Fernandes de condenação no caso do desaparecimento de sua ex-amante Eliza Samudio.
Desde a veiculação, no Fantástico do domingo, dia 18 de julho, e no Jornal Nacional na noite seguinte, de um video “plantado” no avião que transportava o jogador e seu amigo e suposto cúmplice Luiz Henrique Romão, conhecido como Macarrão, o viés das investigações mudou de rumo.
A polícia parece tender a concentrar as responsabilidades no amigo do atleta.
Em outro vídeo, gravado dentro da penitenciária na região de Belo Horizonte, onde está hospedado, Bruno Fernandes lembra que o prazo da acusação está acabando e ameaça processar o Estado.
No fim de semana, nem uma palavra dos jornais sobre o assunto.
Nesta segunda-feira, ainda nenhuma novidade no Estado de S.Paulo e duas notas na Folha de S.Paulo e no Globo.
No Globo, o Judiciário responde dizendo que o goleiro pode ficar mais trinta dias preso com os outros sete acusados, porque, quando em liberdade, eles tentaram atrapalhar as investigações, ocultando provas e manipulando testemunhas.
Depois da divulgação dos vídeos, ganham menção na imprensa e na internet frases que induzem o leitor a acreditar que a jovem Eliza Samudio na verdade não estaria morta, apenas resolveu desaparecer para se vingar do ex-amante.
A imprensa não parece estranhar que os acusados sejam defendidos pelo mesmo advogado, mesmo com as evidências de que, em muitos aspectos, eles têm interesses contrários.
A ex-mulher do goleiro já foi e voltou algumas vezes em sua decisão de trocar de advogado, enquanto o adolescente J. e outra testemunha, primo de Bruno, entram em seguidas contradições conforme quem conduz o interrogatório.
Todas as versões desses depoimentos ganham igual atenção, sem diferenciação crítica por parte dos jornais.
Na Folha, declaração do governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, nesta segunda-feira, afirmando que o vazamento dos dois vídeos depõe contra a polícia mineira.
A polícia mineira ganhou notoriedade como… a polícia mineira – aquela que consegue fazer urubu confessar que é gavião.
O desinteresse da imprensa pode deixar o caminho aberto para qualquer manobra no inquérito.