Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A onda antimídia II
>>Em busca de paz

Onda antimídia II

 

Alberto Dines:

 

– Há dias o presidente Lula fez piada a respeito dos “formadores de opinião”. A expressão foi criada pelos especialistas em pesquisas para designar os cidadãos que por sua atividade, vocação ou posição são capazes de convencer os outros cidadãos, menos informados. Disse o presidente que nestas eleições ficou provado que no Brasil há mais povo do que formadores de opinião. Óbvio ululante.

 

Na verdade, o presidente queria gozar os formadores de opinião hospedados na grande imprensa que, segundo ele, foi derrotada pelo povo. Neste país da piada pronta, o Presidente da República esqueceu que há formadores de opinião filiados a todas as correntes políticas, o processo funciona em todas as direções. Exemplo: na última disputa eleitoral havia formadores de opinião contra o candidato do PT e havia formadores a favor do candidato do PT.

 

Mas quem inventou o “complô da mídia contra Lula” — foram os formadores de opinião das elites ou os formadores de opinião do PT? E quem garante que os formadores de opinião do PT estão agindo em defesa da cidadania e da democracia? Não são eles os responsáveis pelo clima anti-imprensa que produziu as trapalhadas recentes da Polícia Federal? É muito perigosa esta brincadeira de incompatibilizar a sociedade com a sua imprensa.

 

Veja o que aconteceu nos Estados Unidos. O presidente Bush investe há muito tempo contra os grandes jornais liberais e foi reeleito com facilidade há exatamente dois anos. E o que aconteceu na última terça-feira? Bush levou uma enorme e inédita bordoada. De quem? Dos formadores de opinião por ele derrotados há dois anos.

 

Em busca de paz

 

O diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne, apresenta uma visão panorâmica da deficiência na cobertura dos problemas de segurança pública.

 

Denis:

 

– Tem a ver com problemas que afetam outras áreas da mídia – poucos jornalistas, diminuição das redações, quanto tempo, quanto espaço você tem para fazer cada matéria – mas acho que tudo isso poderia ser superado se houvesse, primeiro, uma compreensão maior do fenômeno da violência pelos jornalistas que cobrem a área, que os ajudasse no sentido de [saber] o que é fundamental para entender um problema, uma crise que explode, um crime que acontece, e a outra coisa seria, considerando o tamanho que esse problema tem na sociedade brasileira, e o potencial que a mídia tem, como se trabalhar da maneira mais responsável possível para que você possa difundir mais próximo da realidade o que está de fato acontecendo.

 

Mauro:

 

– Denis Mizne dá um exemplo notório de cobertura irresponsável.

 

Denis:

 

– Não dá para passar uma idéia de que uma cidade está em pânico usando cinco vezes a mesma imagem de um ônibus queimado. É antiético. E isso tem, em maior ou menor escala. Mas acho que isso é fácil de identificar. Mais difícil é identificar na cabeça dos setores da mídia que eles podem estar contribuindo, com esse tipo de cobertura muito simplista, muitas vezes equivocada, sensacionalista, para o tipo de política de combate à violência que a gente vem recebendo, digamos assim, no país nos últimos anos. Porque ajuda a caminhar para respostas meramente repressivas, preconceituosas.

 

Mauro:

 

– O diretor do Instituto Sou da Paz comenta o fato de que os jornais, que já não davam os nomes dos mortos na periferia, hoje não dão nem o número de mortos.

 

Denis:

 

– Eu comecei a ver isso desde o começo dessa década. Em 2000, 2001, aqui em São Paulo, se parou de divulgar esse número. Porque banalizou demais. Já tinha virado um cantinho de pé de página de jornal, porque já tinha se convencionado que era pouco interessante falar do que estava acontecendo nas periferias da cidade, que é onde acontecem esses homicídios. Cansou. Deu, deu, deu, “Ah, está bom. Toda semana a gente vai ficar dando isso? Não. Pára.” É um pouco parecido, não precisa ir tão longe: ataques do PCC. Em maio, semanas e semanas de cobertura, programas especiais de televisão. Na segunda onda de ataques, bem menos. Na terceira, nem se falava muito do assunto. Já era aquele noticiário comparando: Dessa vez morreram só queimaram 80 ônibus, da última vez queimaram 100. Você incorporou. Não achei bom que a cidade tenha parado no primeiro ataque. Mas no segundo e no terceiro não ter acontecido nada, de reação, é muito sinal de que “Ah, está bom. Isso aí a gente já tem que começar a se acostumar”. Essa banalização do processo acaba gerando pouco interesse.

 

Mauro:

 

– Denis Mizne apresenta propostas para melhorar a cobertura jornalística das questões de segurança pública.

 

Denis:

 

– Quando você faz uma matéria, tentar ir além do básico. Contextualizar o que aconteceu. Cobrir direito os crimes que são a maioria, o que mais afeta, o crime contra a vida, tentando dar caminhos [sobre] por que isso aconteceu. Cabe tudo isso naquela coluninha, e ajuda, pelo menos, você a entender. E a outra coisa é cobrir o tempo todo, cobrir boas soluções que acontecem. Acho que é esse o caminho que a gente vai ter que seguir com segurança pública para poder aperfeiçoar essa cobertura.