Sem motivos para festa
São Paulo comemora 456 anos nesta segunda-feira, mas apenas a imprensa paulista parece ver motivo para festa.
Tanto a Folha como o Estado de S.Paulo aparecem com cadernos especiais celebrando mais um aniversário, como se a população da cidade tivesse motivos para comemoração.
Muitas desses paulistanos estarão ocupadas tirando a lama de suas casas ou procurando um lugar para morar, depois das enchentes e desabamentos que se tornaram rotina desde o começo de dezembro do ano passado.
A exceção, neste 25 de janeiro, é o jornal Brasil Econômico, que traz na primeira página uma noção mais clara da realidade paulistana: ao analisar o papel econômico da cidade na segunda década do século XXI, o novo jornal de economia e negócios destaca a falta de infraestrutura, os problemas de transporte e outras mazelas que se acumulam.
A Folha de S.Paulo trata os rios como personagens centrais de seu caderno especial sobre o aniversário da cidade, mas em nenhum momento se dispõe a acionar as reponsabilidades sobre os problemas que a população paulistana vem sofrendo neste verão.
O Estado de S.Paulo nem isso oferece aos seus leitores.
Produz um daqueles suplementos festivos, com uma galeria de personagens da cidade, entre eles justamente alguns representantes da população que mais sofre com as chuvas, o trânsito impossível e o sistema de transporte público ineficiente.
A realidade que os paulistanos encaram no dia-a-dia, inclusive nesta data festiva, é a de uma cidade sem rumo, onde os problemas acumulados ao longo dos anos parecem convergir para o ponto da ingovernabilidade quando começa a chover.
A desculpa das autoridades, repetida quase diariamente pela imprensa, sobre os índices recordes de intensidade das chuvas, não escapariam à argúcia de um repórter iniciante: ora, as mudanças climáticas estão sendo anunciadas há duas décadas, e as autoridades municipais têm acesso a todo tipo de estatísticas – a cortina de água que cai sobre a cidade não deveria ocultar do olhar da imprensa as responsabilidades da administração pública.
Os jornais e revistas sediados em São Paulo tratam com diferenciada reverência o atual prefeito.
Basta revisitar as edições dos períodos em que a cidade foi governada por Luiza Erundina, Celso Pitta e Marta Suplicy para observar a diferença.
Naqueles períodos, bastava um incidente menor para a imprensa culpar o prefeito ou a prefeita por todos os problemas da cidade, mesmo quando o problema era causado por uma obra que prometia melhorar a infraestrutura.
Hoje, a cidade mergulha no caos e os principais jornais ofendem os leitores com edições festivas.
Seus editores devem estar vivendo em outra cidade.
Abrindo as cortinas
Mas nem tudo é festa. Depois de quase sessenta mortes causadas por enchentes e desabamentos, depois de muitos milhões de reais de prejuizos para empresas e a população, parece estar chegando ao fim a blindagem construida pela imprensa paulista em torno do prefeito Gilberto Kassab.
Sob o título “Na lama com Kassab”, a revista Época desta semana amplifica os dados do Datafolha, apontando que os índices de aprovação do prefeito cairam de 61% para 39% em um ano e dois meses.
Desde dezembro, quando começaram as chuvas fortes que mostraram o despreparo da cidade para eventos climáticos mais do que anunciados, Kassab vinha enfrentando críticas da população, que eram regularmente minimizadas pela imprensa,.
No entanto, conforme observa Época, o prefeito vem cometendo gafes, declarações infelizes e medidas controversas e ineficientes que demonstram baixa capacidade de administrar a cidade fora das rotinas de normalidade.
A decisão de cortar as verbas de limpeza pública, depois seguida pela exigência de que as empresas encarregadas de recolher o lixo se comprometam com horários rígidos de coleta, são exemplos de sua qualificação, agora questionada pela Época.
O lixo acumulado foi apontado como uma das causas dos alagamentos ocorridos em regiões altas da cidade, onde antes não havia esse problema, e a exigência de cumprimento dos horários soou como um mero factóide, uma vez que todos os paulistanos sabem que basta uma chuva mais forte para que os caminhões de lixo fiquem paralisados no trânsito caótico.
Conforme lembra Época, Kassab somou a essa imagem recente de incompetência algumas decisões impopulares.
No fim de 2009, ele autorizou o aumento das passagens de ônibus de R$ 2,30 para R$ 2,70, mandou extinguir o reembolso da taxa de inspeção veicular e aumentou o IPTU em 30% para imóveis residenciais e 45% para imóveis comerciais.
Com a mudança na base de cálculo do IPTU, houve casos em que o imposto subiu mais de 100%, sem justificativa.
Segundo a revista, o prefeito já está sendo chamado de “Taxab”.
Enquanto isso, os jornalões ainda repetem que tudo é culpa de São Pedro.