Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Adivinhadores do passado
>>Sem espaço para debates

Adivinhadores do passado

A imprensa tem agora um grande dilema moral para resolver: o que fazer com suas milícias de analistas, futurólogos, gurus e opinadores de todo tipo, depois de revelado que a economia americana está, de fato, em recessão há um ano?

A notícia é manchete em praticamente toda a imprensa: o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos anuncia oficialmente que o país está em recessão desde dezembro de 2007.

Embora o Produto Interno Bruto americano tenha aumentado no primeiro trimestre deste ano, os números do desemprego indicam que a recessão se consolidou um ano atrás.

Pode parecer estranho ao leitor de jornais que as notícias se refiram à constatação atual de um fato que vem ocorrendo há doze meses.

Isso porque o público está habituado a acreditar que a imprensa não apenas noticia os últimos acontecimentos, mas também é capaz de indicar possibilidades futuras pela análise do conjunto de fatos presentes.

Ledo engano: a imprensa funciona como uma lanterna apontada para trás, mas vende a idéia de que pode clarear o que ainda não aconteceu.

No caso da recessão americana, que já dura um ano, o que se questiona não é a suposição dos dotes proféticos da imprensa, mas sua disposição para discutir a natureza cíclica do sistema econômico mundial e suas vulnerabilidades.

Até poucos meses atrás, jornais, revistas e outros meios estimulavam o leitor a acreditar que a economia mundial se expandia indefinidamente.

A própria situação econômica do Brasil, ainda privilegiada em relação aos países mais desenvolvidos – todos já em recessão – era apresentada como resultado exclusivo do expansionismo global.

Desde setembro deste ano, a imprensa vem se comportando de forma inversa: agora tudo é crise, tudo é catástrofe, e os jornais disputam a ‘primazia’ de adivinhar um futuro cada vez mais sombrio.

Talvez o leitor devesse refletir se de fato o noticiário que lhe chega às mãos é suficientemente consistente para que ele formule uma visão de longo prazo.

Se a imprensa se nega a questionar certos dogmas econômicos, e se os economistas avalizados pela imprensa foram incapazes de constatar que a recessão americana já dura um ano, que valor têm, afinal, todas aquelas páginas de palpites que foram publicadas nesse período?

Sem espaço para debates

Há muito tempo os especialistas em sustentabilidade vêm alertando para as fragilidades do sistema econômico mundial, provocadas pela falta de cuidados com a preservação do patrimônio ambiental e com o desprezo pelo potencial de criação de riqueza dos milhões de cidadãos excluídos do acesso ao bem-estar.

Da mesma forma como ignora certas teorias sobre a natureza cíclica do capitalismo, sempre sujeito a crises, a imprensa tem evitado dar espaço a economistas e outros estudiosos que apontam a necessidade de novos paradigmas para a análise dos fatos econômicos.

Pesquisadores experientes como o francês Ignacy Sachs e o brasileiro Ladislau Dowbor têm pouco espaço na mídia.

Jornais e revistas preferem os economistas ortodoxos, em especial aqueles que migraram do Banco Central e outros postos do governo para a iniciativa privada.

A economista americana Hazel Henderson, que administra um dos maiores fundos de ações sustentáveis do mundo, é tida como uma curiosidade.

E a própria questão da preservação ambiental fica restrita à seção científica ou a uma página semanal nos jornais.

O economista Ignacy Sachs é autor da tese da ‘civilização da biomassa’, que considera o potencial de desenvolvimento a partir da exploração sustentável da Amazônia, mas não encontra espaço para suas idéias no dia-a-dia do noticiário econômico.

E nem se pode dizer que são novidades frescas demais para serem assumidas pela mídia.

A luta por um modelo sustentável para a Amazônia já é parte da História.

Alberto Dines:

– Chico Mendes foi assassinado há 20 anos: alguém lembra ainda a cruzada para proteger a floresta e promover o seu desenvolvimento sustentável? A grande imprensa do eixo Rio-S.Paulo sabe o que está acontecendo na região amazônica ou apenas registra os comunicados sobre os índices de desmatamento? O Observatório da Imprensa vai juntar a Amazônia e a mídia na edição de hoje. À meia-noite e dez na TV-Cultura, às 22:40 ao vivo pela TV-Brasil.