Goiás 2, Imprensa 1
Aconteceu o seguinte na quarta-feira, dia 24 de novembro de 2010: estava programado para o estádio do Pacaembu, em São Paulo, o jogo entre o Palmeiras e o Goiás, classificatório para a Copa Sul-Americana. O Goiás, eliminado do Campeonato Brasileiro, entrou em campo já derrotado pela imprensa, principalmente a imprensa paulista. O Palmeiras, time de maior tradição, que tem como técnico o campeão mundial Luis Felipe Scolari, havia vencido a primeira partida por 1 a 0 e era apontado como o favorito absoluto por dez entre dez comentaristas.
Tudo referendado por planilhas, raciocínios “incontestáveis” e ponderações muito bem elaboradas.
Mas no futebol, além dos 22 jogadores e do trio de arbitragem, costuma entrar em campo o senhor Imponderável.
Ao final da partida, o Goiás festejava a classificação enquanto os jogadores do Palmeiras se recolhiam ao vestiário sob vaias de sua torcida.
E a imprensa? – Bom a imprensa faz, como sempre, aquela análise racional, suportada por planilhas e estatísticas: o Palmeiras perdeu porque jogou mal, o Goiás venceu porque jogou melhor.
A metáfora futebolística cai muito a propósito para a observação da imprensa em outros campos que não o do esporte.
Assim como os analistas do futebol retornam ao vídeo e às páginas dos jornais no dia seguinte tentando reconstruir seus prognósticos, muitas vezes se viu, nos últimos anos, a mídia tradicional se esforçando para reescrever previsões que não se concretizaram e projeções que a realidade contrariou.
Na economia e na política, como no futebol, o senhor Imponderável costuma marcar presença quando menos se espera, mas ele certamente vai definir o resultado da contenda sempre que os analistas se deixarem levar por preconceitos ou por seus próprios desejos.
No caso da partida em questão, na qual o placar acabou exibindo o resultado que os especialistas consideravam improvável, o senhor Imponderável se apresentou sob a forma de uma eficiência e uma dedicação inesperadas por parte dos jogadores goianos, derrotados de véspera pela imprensa e afetados em seu brio por terem sido subestimados. Certamente também foi influente o peso excessivo do técnico Scolari sobre seus comandados, a inibir a iniciativa dos jogadores palmeirenses quando eles precisavam reagir ao resultado adverso.
Mas não se pode descartar a hipótese de que os jornalistas erraram seus prognósticos simplesmente porque se comportaram como torcedores.
Lustrando a bola de cristal
Assim tem sido também em outros campos.
A imprensa tradicional passou os últimos oito anos torcendo contra a equipe que se alinhou no quadrilátero formado pelo Palácio do Planalto e a Esplanada dos Ministérios no dia 1o. de janeiro de 2003.
Nesse periodo, não houve jogada que não tenha merecido comentários negativos por parte dos analistas da política e da economia, de modo genérico.
Aos poucos, aqueles profissionais que procuravam manter o espírito crítico dissociado de suas preferências políticas foram perdendo espaço e a mídia acabou sendo ocupada por um monopólio opinativo conservador e monotemático.
Desde as primeiras medidas de implantação das políticas sociais, com o programa Fome Zero, depois incorporado ao conjunto de iniciativas para a transferência direta de renda, analistas de variadas especialidades se revezaram na tarefa de desacreditar essa estratégia.
A expressão “clientelismo”, originada no velho esquerdismo, foi apropriada por jornalistas conservadores para condenar aquilo que consideravam desperdício do dinheiro público.
Páginas e páginas foram dedicadas a “denunciar” eventos pontuais de desvio de verbas dos programas sociais, como no caso de beneficiários que usavam o dinheiro para comprar cigarros ou bebidas.
Três anos depois de implantadas essas políticas, pesquisadores começaram a demonstrar que a transferência direta de renda, sob condições, produzia resultados econômicos relevantes e duradouros.
A popularidade do presidente da República subiu na proporção em que milhões de cidadãos eram resgatados da miséria.
Ele chega ao final do seu segundo mandato com um índice de aprovação jamais alcançado por outro mandatário da nação em qualquer tempo, e com o crédito de haver promovido, pela primeira vez na História do país, um fenômeno consistente de mobilidade social.
A imprensa de modo geral errou também ao profetizar a volta da inflação – ou já se esqueceram da “inflação de alimentos” de 2007? – errou ao abrigar a avaliação de que o projeto do etanol iria destruir as lavouras de alimentos, e faltam tempo e espaço para alinhar tantos outros equívocos.
Agora a mídia tradicional começa a publicar seus prognósticos sobre o futuro governo de Dilma Rousseff.
Que tal os observadores da imprensa começarem a colecionar essas figurinhas?