Hora de apaziguar
A interrupção do julgamento das ações que contestam a criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no Supremo Tribunal Federal, cria a oportunidade para a imprensa oferecer mais informações sobre a disputa em Roraima.
Algumas das informações mais relevantes surgem do voto do relator, o ministro Carlos Ayres Britto.
Outras aparecem nas reportagens feitas por jornalistas enviados ao local.
Alguns detalhes do pronunciamento do relator, reproduzidos hoje pelos jornais: os plantadores de arroz ocupam terras públicas, não são proprietários; os arrozais mais antigos foram plantados em 1992, o que não dá aos agricultores direito adquirido; a presença de índios na fronteira nunca foi ameaça à segurança nacional.
O voto do relator, favorável à demarcação de terras contínuas para abrigar reservas indígenas, acrescenta ainda que a discussão sobre riscos à soberania é uma cortina de fumaça, para esconder o fato de que empresas estrangeiras e investidores privados estão comprando grandes áreas na região e promovendo a internacionalização da Amazônia.
Outro aspecto ressaltado na primeira fase do julgamento, e que vinha sendo omitido pela imprensa, é que os arrozeiros são os principais responsáveis pelos danos ambientais ocorridos nos últimos anos no Estado de Roraima.
Mas as melhores contribuições para o entendimento do caso vêm, como sempre, dos repórteres enviados ao local.
Através de seus relatos fica-se sabendo, por exemplo, que alguns fatores externos provocam a divisão na comunidade indígena entre os que defendem a reserva e os que preferem a permanência dos produtores de arroz.
Entre esses fatores está a presença de religiosos católicos e evangélicos nas aldeias.
Os índios sob influência da igreja católica defendem a demarcação das terras em reservas contínuas.
Os que se converteram às seitas evangélicas são a favor da permanência dos arrozeiros brancos.
Segundo relata a Folha de S.Paulo, os indígenas assistidos por missionários católicos preservam sua tradições culturais, enquanto os que freqüentam cultos evangélicos são obrigados a abandonar suas crenças.
Eis aí uma diferença relevante quando se discute a questão das populações tradicionais.
Os outros excluídos
No outro lado do grande mosaico das perversidades sociais no Brasil, o Globo traça um retrato das milícias que dominam favelas cariocas, substituindo a tirania dos traficantes pelo despotismo dos agentes públicos transformados em organizações mafiosas.
Numa ampla reportagem intitulada ‘A milícia mostra a sua cara’, o Globo dá seqüência à série ‘Favela S/A’, na qual tem revelado quem lucra com a exploração das comunidades pobres do Rio.
Agentes policiais e políticos já foram apontados como os principais beneficiários da comercialização de drogas e de serviços clandestinos de transporte, distribuição de energia e de ligações piratas de TV a cabo.
Na edição de hoje, o Globo revela que os chamados milicianos também se dedicam à exploração da prostituição infantil, negociando crianças de até 9 anos de idade para programas sexuais.
A reportagem foi baseada em observações dos jornalistas e nos dados apurados pelo Ministério Público do Rio e revela que muitos dos criminosos ainda estão lotados em órgãos públicos do Estado, especialmente a Secretaria de Segurança, enquanto outros são ex-policiais.
Esse agentes formaram grupos paramilitares para combater o narcotráfico há cerca de cinco anos, e em muitas comunidades expulsaram os traficantes e ocuparam seus negócios.
Aproveitaram as guerras de gangues para se apresentar aos moradores como salvadores da pátria e depois se estabeleceram como donos das comunidades.
Quase todos são egressos de grupos de extermínio que atuavam nas disputas entre os traficantes.
Em alguns casos, segundo o jornal, esses criminosos usam equipamentos do Estado, como armas, sistemas de comunicação e até veículos blindados para manter seus domínios.
Entre eles há policiais, bombeiros e agentes penitenciários.
As milícias que eles organizaram usam uniformes, seus líderes e integrantes são conhecidos pelo serviço de inteligência da Secretaria de Segurança.
A série de reportagens do Globo poderia servir como ponto de partida para alguma ação do Estado.
Se o Estado estivesse disposto a alguma ação.