Estridência oca
A julgar pelo grau de estridência das manchetes de jornais e de algumas capas de revistas nas últimas semanas, o país deveria estar em plena convulsão política. Não está. A imprensa tem hoje menos importância social e política, no sentido amplo da palavra, do que supõe ter.
A guerra social em curso é a mesma de muitos anos. Tem a ver com políticas públicas ineficazes, na cidade e nos campos. Tem a ver com incompetência e corrupção nas polícias. Tem a ver com a transformação do Brasil em plataforma de exportação e centro de consumo de drogas. Tem a ver, sobretudo, com a situação de vida de imensos contingentes de populações urbanas. Assunto que a mídia trata de modo fragmentado e superficial.
Lula defende imprensa
Alberto Dines destaca a importância das manifestações de de Lula em defesa da liberdade de imprensa, no debate de ontem, na Record, embora seu governo não tenha sido campeão nessa esfera.
Dines:
– “Eu sou o que sou por causa da Imprensa.” O presidente-candidato Lula foi adiante: “Eu sou o resultado da liberdade de imprensa”. O debate organizado pela Record ontem à noite foi o melhor dos três. A diferença foi produzida pelas perguntas dos três jornalistas sobretudo a do jornalista Bob Fernandes que obrigou o presidente Lula a encerrar a irracionalidade que domina os bastidores da mídia e ameaça transbordar perigosamente para o resto da sociedade. A mídia apareceu muito nos palanques, mas esteve ausente dos debates. Agora a situação se reverte. As duas afirmações do candidato-presidente em defesa da imprensa vão certamente desarmar o clima de linchamento que estava sendo montado. Mas o presidente pisou na bola quando lembrou a necessidade de uma comissão para fiscalizar o conteúdo da TV aberta. Seu governo recusou-se a promover uma revisão dos horários da programação televisiva e, pior, esvaziou completamente o Conselho de Comunicação Social. Mas Lula teve razão ao reclamar contra a concentração da mídia num determinado estado. Referia-se ao Rio Grande do Sul. A Rede Globo terá que rebolar para dar ao último debate a mesma animação dos blocos finais do debate de ontem à noite na Record.
A edição televisiva do Observatório da Imprensa vai discutir hoje à noite justamente o papel da imprensa nestas eleições. Não perca: às onze e quarenta pela Rede Cultura e, ao vivo, às dez e meia pela TV-E.
Mensagem com ruídos
A idéia de que partes substanciais do eleitorado se dividiram no primeiro turno da sucessão presidencial entre a ética e o bolso embute o princípio de que as mensagens dos meios de comunicação chegam nítidas à consciência dos destinatários. É como se a mídia tivesse exposto claramente um quadro inaceitável de corrupção e muitos eleitores tivessem preferido ignorá-lo. Isso está longe de corresponder à verdade dos fatos.
Em boa parte, o noticiário sobre denúncias de corrupção, feito a partir do discurso de policiais e promotores, e sobretudo a partir da retórica dos partidos, é incompreensível ou irrelevante para alguém que precise passar o dia entre trabalho duro, transporte ruim, cuidado com a família e um mínimo de lazer.
A cobertura de política da mídia brasileira está calibrada para para chegar a segmentos muito reduzidos. Não consegue traduzir as questões para uma audiência maior.
História banalizada
A imprensa aceita o uso indevido das acusações de nazismo e fascismo que os dois lados em campanha se fazem. Fernando Henrique e Alberto Goldman sabem o suficiente para não usar esse tipo de acusação. A cobertura acrítica da imprensa é uma seqüela do preguiçoso jornalismo calcado em declarações, o jornalismo declaratório.
Racistas
A imprensa age corretamente ao noticiar a prisão de homens acusados de colar cartazes racistas em São Paulo. Mas deveria acompanhar melhor o assunto. Esses casos são mais graves do que a retórica eleitoral.
Fronteiras sensíveis
A situação da Bolívia continuará a se complicar. Mas se isso tiver repercussões internacionais, a América do Sul poderá perder um dos trunfos que, em meio a tantas dificuldades, tem no chamado concerto das nações: a relativamente baixa intensidade de conflitos fronteiriços. No caso do Brasil, o último foi há mais de cem anos, com a própria Bolívia, em torno do Acre, resolvido pela diplomacia. A última coisa que a mídia deve fazer é contribuir para uma escalada entre Brasil e Bolívia.