‘A direção da TV Cultura tem anunciado que vai ‘investir pesado’ em jornalismo. Promete criar uma faixa de programação jornalística na hora do almoço e vai lançar um novo telejornal – o Primeira Página – à meia-noite. Na hora do almoço o embrião da faixa é o Diário Paulista, seguido do Opinião Nacional, que deve ganhar entrevistas ao vivo de um estúdio em Brasília. Nesse horário haverá também um programa dedicado à agenda cultural do dia.
A Cultura já tem vários programas de conteúdo jornalístico e, sem dúvida, o Planeta Cidade é o melhor entre os estreados recentemente. No mesmo patamar, pela qualidade do conteúdo, está o Repórter Eco, há anos no ar. Idem o veterano Roda Vida, o que mais repercute na mídia impressa. Fazem parte dessa categoria (informação jornalística) o Observatório da Imprensa, produzido pela TVE, que deveria ser modernizado; o Conexão Roberto Dávila, com entrevistas a favor do entrevistado; e o Silvia Poppovic, uma revista de variedades que estaria mais adequada em um horário vespertino.
Na organização interna da Cultura, os programas jornalísticos não estão todos subordinados à direção de jornalismo e nem são obrigatoriamente produzidos dentro da emissora. Para o telespectador, pouco importa o endereço da produção – importante é a qualidade do que vai para o ar. Programas jornalísticos inteligentes e bem realizados, como o Planeta, de produção independente, valorizam a grade, mas não são eles que constroem a reputação do jornalismo da emissora. Esse papel é dos telejornais diários e, dentre estes, o do horário nobre, o Jornal da Cultura.
O Jornal da Cultura é a referência de qualidade do jornalismo da TV Cultura. O resto (os tais programas jornalísticos) pode ser útil, oportuno, original, etc, mas não dá o tom. Se o Jornal da Cultura não estiver bem – e não está – é sinal de que o jornalismo da emissora vai mal. O mesmo vale, em menor grau, para o Diário Paulista e para as quatro edições diárias do Boletim Cultura, pois é esse conjunto que demonstra a quantas anda o jornalismo da casa.
Infelizmente, o jornalismo da casa vive a perder oportunidades. Deu vexame em outubro, quando não foi capaz de produzir um material à altura da importância do 30º aniversário do assassinato de Vladimir Herzog. Não teve agilidade para cobrir ao vivo, como poderia, o clímax da sessão de cassação do deputado José Dirceu. Faltou, em ambos os casos, uma série de atributos necessários no dia a dia e que deveriam ser o alvo principal do ‘investir pesado’. O investimento mais seguro é no talento, o resto é equipamento.
É acaciano, mas não custa repetir: não se faz bom jornalismo sem bons jornalistas. A TV Cultura os tem, mas ou eles não estão no comando ou o comando não comanda. Ou, as duas coisas juntas. O fato é que após 1 ano e meio de gestão a nova direção mudou muita coisa, criou várias atrações na grade de programação, conseguiu avanços significativos em diversas áreas, reposicionou a Cultura no mercado, mas o jornalismo da casa (o dos telejornais) continua sem imaginação, sem agilidade, sem garra. Vez por outra dá sinais de que vai trilhar o rumo certo, mas no dia seguinte volta à rotina de repartição pública que parece ser a sua marca permanente.
Resumo da ópera: antes de investir em novos programas jornalísticos melhor seria dotar o jornalismo da casa de um padrão de qualidade compatível com a ambição de tornar a Cultura a melhor TV pública que seu orçamento pode comportar.’