De olho na ficha suja
Soterrada pela cobertura da Copa do Mundo e depois colocada em segundo plano pelo noticiário sobre o crime atribuído ao goleiro Bruno Fernandes, a crônica da campanha eleitoral deste ano começa a emergir com duas características bastante claras.
A primeira delas: os jornais vão repetir o estilo das eleições mais recentes, explicitando seus candidatos no noticiário e tentando dissimular a opção nos editoriais, fingindo uma neutralidade que não existe.
A segunda é que a campanha pela moralização da política a partir da inscrição de candidatos pode acabar frustrada nas instâncias superiores da Justiça.
A necessidade da Lei da Ficha Limpa é inconteste.
Conforme registra nesta quarta-feira o jornal O Estado de S.Paulo, foram protocoladas em Tribunais Regionais Eleitorais de quinze Estados, até esta semana, nada menos do que 1.614 contestações de candidaturas.
Esse número deve crescer ainda mais, uma vez que ainda não começaram a ser impugnadas as candidaturas no TRE paulista, que tem mais de 3 mil políticos registrados, por causa da greve dos servidores do Judiciário.
De acordo com a reportagem do Estadão, grande parte dos casos de pedidos de impugnação se refere a políticos condenados por tribunais ou que renunciaram para escapar da cassação.
O número elevado de candidatos que podem ser eliminados das eleições deste ano dá uma idéia de como a política foi contaminada por práticas irregulares.
Grande número desses políticos já exerceu outros mandatos, com o estilo e as práticas que agora podem ser enquadrados pela nova lei.
O jornalão paulista registra casos bizarros, como o do Estado de Alagoas, onde o procurador regional eleitoral deu encaminhamento a nada menos do que 380 pedidos de impugnação, que alcançam 86% do total de candidatos.
Isso equivale a dizer que o eleitor alagoano é refém de um sistema que rejeita candidatos de comportamento exemplar, dando preferência aos de ficha suja.
Dada a partida para o processo de monitoramento por parte do Estadão, espera-se que os demais jornais, principalmente a imprensa regional de todo o Brasil, siga apontando aqueles que não merecem o voto do eleitor.
A tabela dos fichas-sujas
O Estado de S.Paulo encarregou uma repórter de Brasília de juntar os dados e consolidar a reportagem sobre os fichas-sujas.
Participaram da apuração nada menos do que doze outros repórteres, em vários Estados do Brasil, para fazer o primeiro mapa das tentativas de impugnação baseadas na nova lei que restringe as candidaturas de políticos condenados em órgão colegiado da Justiça.
Vale ressaltar o esforço de reportagem e a disposição do jornal de oferecer ao leitor um panorama da aplicação da nova lei.
Até aqui, a imprensa vinha noticiando apenas alguns casos esporádicos de bloqueios de candidaturas, registrando nomes de maior evidência nacional, como os do deputado Jader Barbalho, dos ex-governadores Anthony Garotinho, Joaquim Roriz, Ronaldo Lessa, Jackson Lago e Marcelo Miranda, além do notório Paulo Maluf, “hors-concours” no quesito problemas com a Justiça.
Além disso, têm tido grande repercussão decisões isoladas de ministros de tribunais superiores em favor de candidatos com antecedentes pouco recomendáveis.
O princípio segundo o qual o Judiciário deve assegurar o pleno direito à defesa ainda causa interpretações ambíguas em torno da aplicação da Lei da Ficha Limpa, e a concessão de liminares para alguns candidatos pode dar ao eleitor a sensação de que de nada valeu a mobilização pela aprovação da nova regra.
O vai-e-vem das liminares pode criar uma situação na qual alguns candidatos adquiram o direito de ter o registro provisório, mesmo tento sua postulação rejeitada pelo Tribunal Regional Eleitoral.
Assim, alguns nomes de políticos contestados podem aparecer na urna eletrônica e posteriormente seus mandatos virem a ser cassados.
Por isso, é importante que a iniciativa do Estadão tenha prosseguimento em todas as mídias, para que o eleitor possa acompanhar o estado de todas as candidaturas.
Daqui até outubro, o brasileiro deve substituir a tabela da Copa do Mundo por uma tabelinha dos políticos sujos, riscando os nomes que forem incluídos na lista daqueles que devem ficar longe dos cofres públicos.