O olhar vesgo da imprensa
Atenta, como sempre, às oportunidades do jornalismo como espetáculo, a imprensa brasileira dá grande destaque, nesta quinta-feira, à manifestação ocorrida no Rio de Janeiro, em protesto contra a emenda do deputado Ibsen Pinheiro, que tenta alterar o sistema de partilha dos recursos da exploração do petróleo.
Os jornais estão prenhes de imagens e declarações, quase unanimemente repercutindo as queixas dos Estados em cujas áreas territoriais é feita a extração, mas nenhum deles vai ao que interessa na questão dos royalties.
A análise mais interessante não cativou os editores e nem brotou de uma pergunta inteligente de um repórter.
Ela foi dada espontaneamente pelo empresário Oded Grajew, um dos criadores do Instituto Ethos de Responsabilidade Social Empresarial e o principal articulador do movimento Nossa São Paulo.
Grajew declarou, inicialmente à rádio CBN, que os debates em torno da riqueza potencial das novas reservas de petróleo estão deslocados do seu eixo mais importante.
Discute-se para onde deve ir o dinheiro, quanto cabe a cada Estado e a cada município detentor dos direitos segundo a lei; se o dinheiro deve privilegiar ou compensar essas unidades da Federação ou se deve ser repartido igualmente para todos os Estados.
Na opinião de Oded Grajew, que sequer foi suspeitada pelos jornais, a questão principal é: o que fazer com a dinheirama.
O empresário lembra que, até agora, os royalties pago aos municípios que são sede de atividades petrolíferas não serviu a suas populações.
Ele observa que os municípios de Campos dos Goytacazes e Macaé, duas das principais entradas do petróleo da bacia de Campos, não registraram melhoras significativas nas condições de vida de suas populações desde que o petróleo começou a jorrar.
Segundo dados da ONU, Macaé se encontra na posição 815 no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal no Brasil.
Campos dos Goytacazes é o município número 1.818 na lista do IDH-M, com altos índices de analfabetismo e uma renda per capita equivalente à de Nova Iguaçu e inferior à de Nilópolis.
Os jornais passam ao largo dessa questão. Por que?
Reproduzindo o chororô
A maioria dos principais meios da imprensa brasileira ainda separa a economia do bem-estar social.
Orçamentos, faturamentos, receita tributária, Produto Interno Bruto e outros dados sobre a riqueza nacional raramente são cotizados com o que podem ou devem produzir de bem-estar para a população.
No caso dos royalties do petróleo, a observação de Oded Grajew apanha a imprensa de olhos tapados.
Porque antes que ele fizesse essa observação nenhum jornal havia proporcionado a seus leitores esse questionamento, que deveria ser a essência de todo o noticiário sobre os recursos financeiros disponíveis?
A quem devem beneficiar?
No caso do Rio, centro principal dos protestos dos Estados e municípios produtores de petróleo, que se sentem lesados pela emenda do deputado Ibsen Pinheiro, o principal argumento que se apresenta é o da suposta dificuldade que tal emenda, se vier a ser aprovada pelo Senado e aceita pelo Executivo, poderá provocar para o financiamento da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Muito provavelmente os queixosos têm razão, a se considerar o que diz a Constituição.
A pergunta que nenhum jornalista fez, e que foi respondida assim mesmo pelo empresário Oded Grajew é: que benefícios de longo prazo as populações desses e de outros Estados podem esperar da anunciada riqueza que deve jorrar das reservas do pré-sal?
Os principais jornais do País, aqueles que têm influência nacional, não se tocaram que essa é a questão mais importante, porque não possuem, em seu DNA e em sua cultura interna, a sensibilidade para os temas relacionados à questão do desenvolvimento sustentável.
Costumam investir tempo e dinheiro na remodelação gráfica, como fez o Estadão na semana que passou, fazem esforços de cobertura dos grandes eventos, mas não tratam de introduzir em seu sistema de convicções os paradigmas da sustentabilidade.
Aceitar o chororô de governadores e prefeitos que alegam o risco da falência, sem perguntar o que o dinheiro do petróleo tem feito pelo bem-estar de suas populações é o mesmo que reproduzir os press-releases, os comunicados oficiais dos governantes.
Para isso nem é preciso ser jornalista.