A proposta de autorregulamentação
Depois de anos boicotando o Conselho Nacional de Comunicação, depois de haver deturpado os debates sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo, em 2004, de haver patrocinado o fim da exigência do diploma de jornalista em 2009, e de haver impossibilitado o entendimento do Programa Nacional de Direitos Humanos, porque propunha o controle social dos meios de comunicação, a imprensa brasileira anuncia que irá discutir sua autorregulamentação.
A notícia, publicada nesta quarta-feira nos jornais paulistas, relata que o vice-presidente da Associação Nacional de Editoras de Revistas, Sidnei Basile, que é também dirigente do Grupo Abril, defendeu uma urgente iniciativa das entidades representativas da imprensa no sentido de ser criado um código de conduta para o jornalismo.
A proposta seguiria o modelo do Conar, Conselho de Autorregulamentação Publicitária, que foi criado no final dos anos 70.
Embora ainda não tenha sido discutida oficialmente pelas demais entidades, a idéia certamente será aprovada também pela Associação Nacional de Jornais e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão.
Genericamente, um conselho de autorregulamentação da imprensa ou do jornalismo poderia, como o Conar, discutir questões éticas e analisar casos de abuso na atividade jornalística.
Em princípio, já é alguma mudança o fato de a imprensa admitir alguma regulamentação.
No entanto, os jornais não avançam no debate sobre a validade da ação de um conselho como esse em episódios que afetem os direitos civis, como o direito de resposta, a invasão de privacidade e a publicação de denúncias sem fundamento.
A história recente mostra a imprensa brasileira extremamente dependente de vazamentos de informação e marcada por uma opção preferencial pelo declaracionismo, o que lança dúvidas sobre a capacidade do setor de se conduzir de fato por um sistema de autorregulamentação que seja inteiramente favorável aos interesses da sociedade.
Exemplos de mau jornalismo não faltam todos os dias, sem que os órgãos de comunicação sequer se dêem o trabalho de divulgar notas de correção ou pedidos de desculpa.
Além disso, é certo que um conselho de autorregulamentação da imprensa seria controlado pelas empresas e não por profissionais de jornalismo independentes.
O mais provável é que as entidades patrocinadoras optem por um conselho de “notáveis”, todos eles notavelmente alinhados com as próprias entidades.
Outra dúvida é a validade legal das decisões de um conselho como esse, no caso de confrontarem os direitos do cidadão.
Muita água vai rolar sob essa ponte, mas já se sabe em que direção isso tudo vai escorrer.
Jornalismo em estado puro
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– A verdade incomoda, a verdade mete medo, mas a verdade haverá de se impor. A decisão do Supremo Tribunal Federal pela manutenção da Lei da Anistia nos termos da legislação de 1979, rejeitando pedido da OAB para que não fossem perdoados os crimes contra a humanidade, coloca a imprensa brasileira diante de um desafio que pode ser muito estimulante. Sem concessões ao revanchismo e no mais estrito cumprimento de seu dever para com a sociedade, depois de sacramentada a deliberação do STF cumpre à imprensa discutir e refletir sobre o veredicto, colocando-o sob a análise de especialistas abalizados; e, diante da impossibilidade de punição para os torturadores e demais criminosos, trazer à luz as suas práticas nefastas.
A esta altura, uma revisão na Lei da Anistia como a pretendida pela OAB só será possível no âmbito do Congresso Nacional. A ver o que disso pensarão os parlamentares eleitos em outubro próximo. De todo modo, nada impede que, desde já, veículos, editores e repórteres se engajem numa empreitada em favor da memória histórica. Como e em que circunstâncias agiram os luminares dos órgãos de repressão do regime militar? Quais crimes foram cometidos pelos oponentes do regime em nome da luta contra a ditadura? Que novas informações se poderá apurar a respeito da vinculação de grupos civis com o aparato repressor do Estado?
A imprensa tem legitimidade para revolver o lamaçal, responder a essas perguntas – e a outras tantas. E contribuir para que não se perca a história desses tempos sombrios. Encarar essa tarefa será jornalismo em estado puro. Quem se habilita?