Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Uma bomba oculta
>>Embaixo do tapete

Uma bomba oculta


A Folha de S.Paulo já havia surpreendido seus leitores, na edição de domingo, dia 24, com a manchete sobre o elevadíssimo índice de corrupção na polícia paulista.


Segundo aquela reportagem, dos 3.313 delegados do Estado, nada menos do que 800 são suspeitos de vários crimes.


Nesta terça-feira, o jornal volta ao assunto, embora com menos destaque, para noticiar que o ex-chefe da Corregedoria Geral da Polícia Civil e diretor do Detran até outubro de 2009, delegado Ruy Estanislau Silveira Mello, está sendo investigado por supostamente ter dado um prejuizo de R$ 30 milhões aos cofres públicos.


Trata-se de uma revelação das mais graves, entre as muitas histórias de corrupção que insultam a consciência dos cidadãos nos últimos tempos.


No entanto, a reportagem da Folha é mais importante pelo que insinua do que por aquilo que informa completamente.


A revelação de que um quarto dos delegados da polícia civil do Estado mais rico da Federação são suspeitos, e estão sendo oficialmente investigados, dá uma idéia das causas principais da ineficiência do sistema de segurança.


A lista de crimes engloba extorsão, enriquecimento ilícito, violência, prevaricação e mau uso de dinheiro público, entre outros.


Associando a outras notícias mais ou menos recentes sobre a área de segurança em São Paulo, o leitor pode deduzir que a corrupção vinha sendo a norma no setor, até que o atual secretário da Segurança, Antonio Ferreira Pinto, resolveu fazer uma faxina.


Se o leitor buscar na memória, vai se lembrar que, em maio de 2008, o então secretário adjunto Lauro Malheiros Neto se demitiu após ser acusado de receber propina, para alocar delegados em postos onde a corrupção rendia mais, e para retirar de inquéritos internos policiais que respondiam a acusações de desvios de conduta.


Em seguida, desgastado pela revelação, o então secretário da Segurança, Ronaldo Marzagão, também renunciou ao cargo.


O que deve estar estranhando ao leitor atento é o silêncio dos outros grandes jornais.


Normalmente, quando um caso de corrupção é descoberto por um veículo de informação, os demais costumam se juntar imediatamente ao esforço de divulgação, até formar um coro de denúncias que não pode ser ignorado pela opinião pública.


No caso revelado agora pela Folha, envolvendo evidências de que a polícia do Estado de S.Paulo sofre há tempos de corrupção endêmica e generalizada, o resto da imprensa finge que nem ouviu falar. 


Embaixo do tapete


Mais grave ainda do que a leitura da reportagem de domingo, associada ao texto desta terça-feira, é o comentário do colunista Fernando de Barros e Silva, que se pode ler na página 2 da Folha de S.Paulo.


Comentando a manchete de domingo, o colunista observa que a proporção de um quarto do total de delegados representa um número elevado demais para ser desconsiderado.


E acrescenta que, dos 33 mil policiais paulistas, nada menos do que 8.500, ou seja, uma proporção ainda maior do que 25%, compõem a lista dos suspeitos que aparecem em procedimentos internos abertos pela corregedoria nos últimos meses.


O leitor pode deduzir o nível das irregularidades que acompanham a maioria dos inquéritos produzidos por tal polícia.


Pode também adivinhar quanta dificuldade devem ter os integrantes do Judiciário para lidar com o material produzido por esses policiais.


Trata-se,portanto, de um problema que começa no início do processo de combate aos crimes e acaba redundando na impunidade que é de conhecimento geral.


Ainda mais grave, se isso é possível: o colunista aponta diretamente para o ex-governador Geraldo Alckmin como o responsável por tal situação.


Ele observa que o secretário da Segurança está mexendo num vespeiro ao tentar moralizar a polícia e que a insatisfação interna com as investigações é muito grande.


Nada mais grave, porém do que a informação segundo a qual, entre os delegados atingidos pela ação da corregedoria, “aposta-se na vitória de Geraldo Alckmin” na eleição para governador do Estado.


Eis aí um prato cheio para qualquer jornalista que ainda se considere como tal.


Foi na gestão Alckmin que houve o fuzilamento de doze líderes de facções criminosas, o que acabou fortalecendo a organização conhecida como PCC – Primeiro Comando da Capital.


Também foi durante o governo de Alckmin, em maio de 2006, que o PCC aterrorizou São Paulo com ataques e assassinatos.


A combinação das reportagens da Folha com o texto de um de seus colunistas mais importantes forma uma pauta que o resto da imprensa não pode deixar embaixo do tapete.