A natureza do mal
As duas principais revistas semanais saíram nesta edição com capas pretas. Referência ao caso da menina Isabella Nardoni, que morreu ao cair ou ser atirada do 6o. andar do prédio onde morava seu pai, na zona Norte de São Paulo.
As duas reportagens revelam o cuidado de não afirmar que o pai, Alexandre Nardoni, é o assassino. Mas deixam claro que não há outros suspeitos.
É como se a imprensa procurasse se aproximar cautelosamente da possibilidade de ter que aceitar a barbárie como um fato tão próximo.
Toda a imprensa vem reproduzindo, nos últimos dias, detalhes da curta vida de Isabella, com todas as graças que costumam cercar a rotina de uma menina de classe média aos cinco anos de idade.
O retrato é de uma criança dócil, inteligente e amorosa, e o cuidado dos jornais e revistas em destacar essas características prepara o contraste com o perfil de monstro do seu assassino, que deverá ocupar as páginas da imprensa nos próximos dias.
Já é algum avanço em relação a alguns casos anteriores, nos quais a imprensa se antecipou em julgar suspeitos, produzindo verdadeiros linchamentos morais.
A rigor, ninguém parece disposto a enfrentar a possibilidade de Alexandre Nardoni ter matado a própria filha.
Embora as informações vazadas do inquérito policial, ou pelo menos aquelas escolhidas para publicação, pareçam indicar essa como a única possibilidade de esclarecimento do crime, é como se, coletivamente, os jornalistas estivessem evitando ter que descrever o inexplicável, o
inadmissível.
A revista Veja parece estar preparando o terreno para superar esse limite da racionalidade.
A capa da edição atual é dedicada ao mal.
A revista tenta construir o que chama de uma investigação filosófica, psicológica, religiosa e histórica sobre as origens da perversidade humana. O texto antecede a reportagem sobre a morte de Isabella Nardoni.
Época insere referências históricas e filosóficas sobre o horror do infanticídio e de outras atrocidades no seu relato sobre a morte da menina.
É como se a imprensa estivesse, cautelosamente, preparando o espírito dos seus leitores para a aceitação de uma sentença inaceitável.
É como se estivesse preparando seus leitores para encarar a crua natureza do mal.
O sigilo quebrado
O cuidado em preservar o inquérito sobre o caso justifica-se pela gravidade dos fatos, e pelo risco de um erro de julgamento pela opinião pública, como o que ocorreu no já emblemático episódio da Escola Base. Mas algumas autoridades não conseguem manter a boca fechada.
Alberto Dines:
– Para evitar pré-julgamentos, o inquérito sobre a morte da menina Isabella corre em segredo de Justiça. Decisão corretíssima considerando os dramáticos antecedentes da Escola Base e a intempestiva atitude de uma delegada que no dia seguinte à tragédia, aos brados, anunciava quem era o assassino.
Mas na longa entrevista coletiva da última sexta-feira, o promotor de Justiça Francisco Cembranelli fez comentários que confrontam o sigilo que no qual deve correr o caso. Não uma, mas diversas vezes, o promotor declarou aos repórteres ávidos por manchetes que as explicações do pai e da madrasta de Isabela eram contraditórias. Em outras palavras, insinuou suspeição do casal. As rádios e televisões usaram e abusaram da declaração, assim também os jornais do dia seguinte. Depois, o promotor arrependeu-se e declarou: ‘Ainda não acuso o casal de nada’. Mas no sábado alguma autoridade vazou para a imprensa laudos periciais sobre a causa mortis da menina e que igualmente deveriam estar sob sigilo, sobretudo porque são parciais. O caso da menina está comovendo o País e ainda comoverá por muito tempo. Se as autoridades não conseguem respeitar o sigilo que elas próprias decretaram, o caminho fica aberto para o paredón e os linchamentos.