Subindo no muro
Percebe-se certo desconforto na imprensa com relação à ofensiva do Supremo Tribunal Federal contra o nepotismo.
Ao vetar a contratação de parentes, até terceiro grau, de autoridades nos três Poderes, o STF busca corrigir uma prática nefasta que freqüentemente é criticada pela imprensa.
Mas a decisão também é vista como um risco de desequilíbrio no sistema da República, pela iniciativa do Judiciário em cobrir indefinições deixadas nas normas civis pelo Legislativo.
O que produz certa inquietação nos jornais, conforme se pode notar no noticiário dos últimos dois dias, é a recorrente utilização, pelo Supremo, da súmula vinculante.
Trata-se de um instrumento estabelecido pela Constituição e que permite ao Poder Judiciário complementar ou regulamentar matérias que tenham sido negligenciadas pelo Legislativo.
A imprensa critica constantemente o Congresso, fonte inesgotável de pautas, em especial de pautas escandalosas.
Mas os editores sabem que o eventual excesso nas intervenções do Judiciário podem levar a uma crise institucional.
Recentemente, quando o Supremo Tribunal Federal baixou a medida restringindo o uso de algemas nos atos de prisão de suspeitos, para resguardar direitos de supostos inocentes, a imprensa manifestou-se maciçamente favorável à decisão.
No caso da proibição do nepotismo, o noticiário também revela pleno apoio dos jornais.
A extensão da medida, que inibe também o nepotismo cruzado, quando um servidor contrata parentes de outro, em trocas de favores, o que revela a determinação do STF de erradicar o problema, já começa a produzir certa preocupação com um possível exagero na ação legisladora do Judiciário.
Ao mesmo tempo em que, refletindo o que se supõe sejam os desejos da população, a mídia reproduz o contentamento geral com atos decisivos de controle dos desvios permitidos por uma legislação cheia de falhas, começa a manifestar também certa preocupação com um possível avanço exagerado do Judiciário sobre terrenos dos outros Poderes.
Essa preocupação tem suas razões.
Afinal, sabe-se que, desde a redemocratização, a política do ‘jeitinho’ vem dominando o Congresso Nacional, produzindo um sistema de leis semelhante a um queijo suíço.
Mas o risco de sobreposição de um poder a outro sempre deve ser levado em conta, quando se trata da preservação da democracia.
A política da religião
O avanço de certas seitas religiosas sobre o terreno da política pode representar um perigo para o Brasil.
Alberto Dines:
– Uma pesquisa divulgada ontem nos Estados Unidos revelou que 52% dos entrevistados apóiam uma separação completa entre instituições religiosas e a política. Esta pequena maioria em favor do laicismo é a primeira registrada desde que o Centro de Pesquisas Pew começou a estudar o assunto em 1996.
O curioso é que a tendência se manifesta também no grupo de eleitores conservadores geralmente mais inclinados a misturar política e religião. Pergunta: será que no Brasil o resultado seria o mesmo?
No momento em que nossos partidos perdem suas identidades, prenuncia-se nas próximas eleições uma radicalização religiosa deflagrada pela mídia. O candidato a prefeito do Rio Marcelo Crivella (do PRB) é abertamente apoiado pela mídia evangélica, sobretudo o grupo da TV-Record, dono da Igreja Universal. O grupo Globo, ainda sem candidato a prefeito no Rio, faz campanha cerrada contra o mesmo Crivella através do seu jornal, um dos mais importantes do país.
Pelo menos não esconde, nem finge isenção. Já o Estado de S. Paulo prefere táticas mais sutis: faz carga contra o prefeito Gilberto Kassab para favorecer Geraldo Alckmin que, embora não assuma, segue a linha Opus Dei igualmente preferida pelo jornal.
A liberdade de crença é uma das cláusulas pétreas da nossa Constituição, mas a combinação através da mídia da disputa política com a disputa religiosa é explosiva, anti-democrática e, como se não bastasse, anti-patriótica porque infiltra na nossa sociedade o perigoso ingrediente do ressentimento religioso.
Pelo menos na opção pelo laicismo deveríamos seguir a tendência do eleitorado americano.