Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Retrato do Brasil
>>Nenhum corporativismo é bom

Retrato do Brasil


As acusações de participação na máfia das ambulâncias feitas ao ex-deputado Emerson Kapaz, que levaram cinco dias para chegar da revista Veja à Folha de S. Paulo, e mais um para aparecer hoje também no Estadão e no Valor, são a matéria-prima da maior reportagem não realizada talvez em décadas no Brasil.


Kapaz saiu da iniciativa privada, passou pela Fiesp, participou da fundação do Pensamento Nacional das Bases Empresariais, foi secretário do governo Mario Covas, chegou à Câmara dos Deputados pelo PPS e era até ontem presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, além de conselheiro do Instituto Ethos e da Transparência Brasil.


Se todas as pontas da história fossem juntadas, o Brasil teria o melhor retrato de seu atraso, a complexa articulação entre interesses privados e serviço público que gera burocracia e corrupção. O empresariado é co-responsável pelo Custo Brasil de que tanto se queixa. Hoje, só o Valor arranha esse panorama. O Jornal Nacional não deu um segundo de notícia sobre o assunto.


Em 2004, o primeiro vice-presidente da Fiesp, Carlos Liboni, passou 55 dias preso com outros sócios de uma empresa acusada de sonegar impostos durante 20 anos e nem assim foi afastado da diretoria da entidade.



Ética concorrencial


Nenhum veículo de mídia se interessou em saber como e por que surgiu, há três anos, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial que até ontem era presidido por Emerson Kapaz.


Não há corporativismo bom


Alberto Dines diz que corporativismo, seja de jornalistas, seja de patrões, não rima com bom jornalismo.


Dines:


– Não surpreendeu ninguém o veto do presidente Lula ao projeto de lei que pretendia ampliar a reserva de mercado para diplomados em jornalismo. A coisa toda era tão primária, mas tão primária, que não merecia outro desfecho senão a lixeira legislativa. A começar pelo deputado Pastor Amarildo, notório sanguessuga, que patrocinou o projeto da Federação Nacionalde Jornalistas. Os jornalistas profissionais não mereciam este vexame. Aliás, o segundo vexame em três anos. O corporativismo é inimigo do bom jornalismo. Seja o corporativismo empresarial, dos patrões, das empresas, seja o corporativismo dos profissionais, ambos são igualmente nocivos. Esta é uma profissão que não pode conviver com governos, nem pode conviver com o poder. Qualquer poder. O jornalismo é intrinsecamente um contra-poder, caso contrário não será independente, não será isento e não merecerá a confiança da sociedade.


Tão grande, tão desatenta


A Folha anuncia hoje que Lula não irá a debates no primeiro turno. Se for verdade, as doses cavalares de José Maria Eymael e Luciano Bivar impingidas pelo Jornal Nacional aos telespectadores serviram para coisa nenhuma.


Em anúncio de página dupla, a Globo procura hoje vincular o infoentretenimento, mistura de jornalismo com espetáculo, à democracia. Orgulha-se de ter 4.500 profissionais em ação no Brasil. Aparentemente, nenhum deles foi capaz de produzir uma reportagem sobre a trajetória política de acusados de participação na máfia das ambulâncias. Para dar dois exemplos, os deputados Cabo Júlio, eleito após um levante sangrento da PM mineira, e Josias Quintal, que foi secretário de Segurança Pública dos governo Anthony e Rosinha Matheus no Estado do Rio. Esse passado dos deputados nem é mencionado no noticiário.


Brasil, avestruz gigante


O presidente Hugo Chávez inicia marcha batida para a militarização da Venezuela e nem um repórter vai ao Ministério da Defesa perguntar o que acham disso as Forças Armadas brasileiras.


Reportagem, hora de acordar


O Globo informa hoje que o deputado Luís Antônio Medeiros causou constrangimento ao pedir um dinheirinho para sua campanha no lançamento do Fórum Mundial contra a Pirataria, ontem. O deputado Eduardo Paes acusa redes de supermercados do Rio de praticarem sonegação de impostos. O senador Marcelo Crivella diz que obteve do traficante Marcola a informação de que políticos usam cocaína.


Pauteiros, editores e repórteres, bom-dia, acordem! A temporada eleitoral abre brechas nos silêncios mafiosos.


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