Nova editoria
Ainda não é perceptível, mas a editoria de corrupção já é uma realidade na imprensa brasileira.
O tema ainda não ocupa um espaço específico.
Está espalhado por todos os cadernos, invade eventualmente até o setor de entretenimento, mas já se consolida como tema dominante no noticiário de todos os dias.
Falta apenas organizar o material, fixá-lo em um caderno específico e nomear um editor ou editora.
Nos jornais de hoje, a editoria de corrupção mostra os efeitos dessa prática viciosa em setores que vão da economia à segurança pública, sem poupar o nicho onde tudo começa, a editoria de política.
Temos casos municipais, estaduais, federais e até internacionais.
É o caso da notícia de que uma corte federal da Suíça começou ontem a julgar cinco executivos de bancos que teriam tentado lavar 45 milhões de dólares enviados do Brasil pelo esquema que ficou conhecido como ‘propinoduto’.
O caso conduz ao gabinete que era ocupado pelo ex-governador Anthony Garotinho.
No âmbito federal, os jornais ainda tentam garimpar elementos mais fortes no caso da venda da Varig, onde sentiram o cheiro de tráfico de influência.
Mas o depoimento do empresário Marco Antônio Audi, que entrou no negócio apontado como ‘laranja’ e tenta ser reconhecido como legítimo dono da empresa, não promete grandes revelações.
Resta, então, a variedade de escândalos estaduais e municipais.
O mais ruidoso deles desnuda uma relação mais do que amistosa entre onze militares do Rio de Janeiro e traficantes.
Os miliatares entregaram três jovens para serem torturados e executados por bandidos.
Ainda no Rio, destaca-se a prisão de um dos policiais envolvidos no caso de detenção ilegal e tortura contra uma equipe de reportagem do jornal O Dia.
A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, segue pagando a penitência de não haver estancado na origem o escândalo que surgiu no Departamento Estadual de Trânsito no começo do seu governo.
A governadora do Rio Grande do Norte, Wilma Maia, acossada por suspeitas de fraude em licitações, tenta tirar da cadeia o filho acusado de fazer parte da quadrilha.
De norte a sul, correm muitas outras histórias de menor repercussão, espalhadas pelas páginas dos jornais de hoje, e algumas delas estão convenientemente engavetadas.
Faz muito tempo, por exemplo, que não se lê sobre o escândalo da CDHU, que envolve autoridades paulistas em fraudes e superfaturamento de obras.
Uma parte importante dos documentos está numa gaveta da Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo: Edifício Andraus, Rua Pedro Américo, número 32.
Melhor prevenir
O espaço destinado à corrupção nas páginas dos jornais parece aumentar, mas a imprensa está sempre atrasada.
A questão é que a corrupção só chega ao noticiário quando o mal está feito.
Por mais páginas que dediquem aos escândalos, os jornais não contribuem para a redução do problema se não atentarem para as origens das quadrilhas.
Elas estão se organizando exatamente agora, na composição das chapas para as próximas eleições.
A recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que manda reconhecer os direitos políticos de cidadãos acusados de crimes e que ainda não tenham sido condenados em definitivo, é mais um estímulo ao aperfeiçoamento da ação organizada de criminosos na administração pública.
O caso do ex-prefeito de Juiz de Fora, Carlos Alberto Bejani, que foi apanhado em prova eletrônica de roubalheira explícita e renunciou para concorrer à reeleição, é emblemático.
A imprensa se anima com a citação do ex-ministro José Dirceu, que aparece numa confissão orgulhosa feita pelo ex-prefeito, e o caso provinciano ganha repercussão nacional.
É natural que os editores se animem com a possibilidade de recolocar o ex-ministro na roda dos escândalos, mas também é importante acompanhar a trajetória de Bejani.
Se ele conseguir registrar sua candidatura, está aí um tema essencial para se colocar nos debates sobre as origens da corrupção.
O Observatório da Imprensa na TV discute hoje o papel da imprensa na fiscalização dos candidatos com ficha suja, que usam o mandato eletivo para escapar da Justiça ou simplesmente para ter acesso à chave do cofre público.
Os convidados vão debater com Carlos Velloso, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, autor de um projeto de lei que, por motivos óbvios, a Câmara dos Deputados não coloca em votação.
Hoje na Rede Cultura, à meia-noite e dez e pela TV-Brasil, mais cedo e ao vivo, às 22h40.