A censura furada
O Globo informa que o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, será indiciado pela Polícia Federal e interrogado sobre a movimentação de conta bancária ilegal no exterior.
O jornal carioca afirma que autoridades chinesas confirmaram que o empresário remeteu US$ 1 milhão para uma empresa da China em 2008, valor que não teria sido informado à Receita Federal.
O episódio está relatado num dos cinco inquéritos resultantes da operação policial que inicialmente se chamava Boi Barrica e que agora tem o codinome Faktor.
Em outros dois inquéritos nascidos dessa investigação, Fernando Sarney já foi indiciado por crimes como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
O novo indiciamento pode lhe custar mais uma acusação, por evasão de divisas.
A notícia do Globo traz, resumidamente, tudo que outro jornal, O Estado de S.Paulo, está impedido de publicar.
Como tem sido noticiado diariamente, o Estadão foi proibido por um desembargador do Distrito Federal de publicar informações sobre o envolvimento de Fernando Sarney na operação policial, em decisão sobre ação movida pelo empresário.
O embargo está em vigor há 223 dias, e o próprio autor do pedido já desistiu da ação contra o jornal, mas os advogados do Estadão não aceitaram o arquivamento do caso.
Os dirigentes do Estadão preferem ver o jornal sob censura e esperar o julgamento do mérito.
Uma eventual vitória do Estado de S.Paulo pode definir o entendimento do Judiciário sobre direitos da imprensa no futuro.
Há controvérsias sobre a situação jurídica do jornal paulista.
Embora insista diariamente que se encontra sob censura, alguns juristas afirmam que a situação é diferente.
O Estadão estaria apenas impedido de dar curso a informações vazadas de processos sigilosos, e não proibido de publicar reportagens sobre os resultados das investigações contra Fernando Sarney.
De qualquer modo, a atitude do filho do presidente do Senado acabou por lançar ainda mais holofotes sobre a operação policial que vasculha seus negócios.
Os donos da mídia
No fim das contas, seja condenado ou absolvido pelo Judiciário, Fernando Sarney já está marcado como criminoso pela imprensa de influência nacional.
Daqui a uns anos, os mecanismos de busca na internet vão exibir textos e mais textos sobre as acusações que lhe são feitas.
Se tiver sido absolvido na Justiça, terá de cumprir para sempre a condenação da imprensa nacional.
Se tiver sido considerado culpado, terá de cumprir, além da pena judicial, a sentença de execração pública.
O curioso é que, no Maranhão e no Amapá, onde seu pai, o presidente do Senado, é uma espécie de vice-rei, a situação é oposta.
Proprietários de um conglomerado de empresas de comunicação, entre as quais a TV Mirante, emissora afiliada à Rede Globo, os Sarney evidentemente dão tratamento diverso ao noticiário sobre os negócios da família.
A circunstância deveria dar o que pensar aos observadores da imprensa.
Principalmente no que se refere ao tema da propriedade cruzada de meios de comunicação e à persistência da propriedade de concessões públicas de rádio e televisão nas mãos de políticos.
Imagine-se a situação que estaria criada se, em vez de um conglomerado de empresas de mídia no norte do Brasil, a família Sarney fosse proprietária de uma rede nacional de comunicação, com jornais, revistas, emissoras de rádio e TV.
Que poderes se haveriam de levantar contra a tentativa da Polícia Federal de investigar e conduzir a julgamento um de seus integrantes?
A situação, de certa maneira, é a que envolve o grupo de empresas de comunicação criado pelo bispo Edir Macedo.
Envolvido em denúncias de enriquecimento ilícito, Macedo costuma ter sua vida vasculhada por jornalistas, especialmente da Folha de S.Paulo e do grupo Globo.
Sua reação mais comum é acionar a rede de igrejas que controla e o conglomerado de mídia que construiu com o dinheiro dos fiéis.
Além disso, Macedo tem em mãos pelo menos dois partidos políticos e acumula um poder desmesurado de influência sobre a opinião pública.
Parte dos brasileiros acha que ele é um esperto homem de negócios a explorar a fé de incautos.
Mas também existem aqueles que comungam o credo do bispo, e que provavelmente acreditam que ele é perseguido pela imprensa, por causa da religião.
O que indica que o efeito da notícia é sempre relativo às crenças do estimado público.