A Escola de Comunicação da UFRJ realiza esta semana o Seminário Internacional sobre Mídia e Democracia e novas formas de ativismo. A primeira mesa do evento, nesta quarta-feira (26/4), abordou o tema Midiocracia: como a democracia se constitui em aliança, conflito e composição com os meios de comunicação. Participaram da mesa o mediador Sérgio Leitão, representante do Ministério da Cultura; o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos; o jornalista Paulo Henrique Amorim; o representante do Projeto Globo/ Universidade Ricardo Kotscho; o professor da Universidade Nômade Giuseppe Cocco e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
O cientista político Wanderley dos Santos iniciou os debates falando da dependência da imprensa em relação ao governo e de seu papel como ator político. ‘A imprensa precisa de ‘favorzinhos’, privilégios medíocres para sobreviver’, disse ele.
O jornalista Paulo Henrique Amorim ressaltou alguns aspectos relatados pelo presidente do Ibope durante um seminário no último fim de semana, entre eles o fato do Partido dos Trabalhadores ser favorito em apenas um estado brasileiro: o Acre. De acordo com o jornalista, o eleitorado expressivo de Lula nas eleições de 2002 era representado pelos funcionários públicos e, este ano, será representado, em sua maioria, pelos pobres. Alimentação mais barata, aumentos expressivos no salário mínimo e programas como o Bolsa Família são alguns fatores relevantes para esta mudança. A respeito da imprensa, Amorim citou a profunda crise econômica que abala os jornais do Brasil e do mundo inteiro. ‘A imprensa escrita é a loser (perdedora) da economia brasileira’, opinou. O jornalista disse ainda que a existência de um jornalismo televisivo irrelevante e a hegemonia da Rede Globo são, para ele, os possíveis motivos de se creditar tanta importância aos jornais em nosso país.
Ricardo Kotscho, jornalista e representante do Projeto Globo/ Universidade, defendeu a idéia de que o jornalista faz sua função, não creditando ao veículo esta responsabilidade. Ele ressaltou ainda que, em anos de carreira, nunca foi obrigado a escrever algo que não quisesse. Para Kotscho, a imprensa não é mais capaz de eleger ou derrubar um presidente. Além disso, é um equívoco confundir opinião da imprensa com opinião pública. O povo, de acordo com ele, é capaz de manifestar suas opiniões independentemente do que é veiculado pela mídia.
O professor da Universidade Nômade Giuseppe Cocco evidenciou a necessidade de entender o papel que a crise da mídia exerce em vez de negá-la e citou uma crise da representação que, apesar de antiga e fomentada em fatores históricos, passa por um período extremamente conturbado: a eleição na Itália, país de origem do palestrante. Para ele, este é um bom exemplo de crise de representação, visto que os italianos que moram no Brasil e na Argentina têm direito a voto, mas os imigrantes que moram legalmente no país não.
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu aproveitou quase que integralmente o momento de expor suas idéias para se defender das acusações de corrupção nas quais está envolvido. A defesa abordou desde o caso Celso Daniel – no qual sua participação está sendo investigada – até a prática do caixa dois. O ex-ministro admitiu que o governo falhou em sua política de comunicação porque não soube como se expressar. ‘A mídia é para ser escutada’, alegou Dirceu. Quando finalmente falou do tema abordado pela mesa, o ex-ministro afirmou a necessidade de se discutir o papel das várias mídias poderosas existentes no país, a exemplo da política, da sindical, entre outras. Para ele, os meios de comunicação brasileiros se comportam num mesmo padrão, não diferindo uns dos outros. ‘Por que as elites são contra o tipo de governo vigente? Devido à adoção de um projeto de desenvolvimento nacional, à política externa, à integração com a América Latina e, principalmente, porque não estão no poder’, disse.
Após os palestrantes exporem suas opiniões e reflexões sobre midiocracia, abriu-se um espaço para perguntas. Os mais solicitados foram Paulo Henrique Amorim e José Dirceu, que, entre outros assuntos, responderam a questionamentos sobre TV Digital, crise da VARIG e ausência de um jornal vinculado à esquerda no Brasil.
José Dirceu: o astro do evento
Eduardo Melido
José Dirceu é conhecido por sua luta pela democracia e desde as nove da manhã já estava nos prédios do Campus da Praia Vermelha, assim como dezenas de estudantes, curiosos e jornalistas. Antes das dez horas da manhã, horário previsto para o início do seminário, o auditório e uma das salas com transmissão simultânea estavam lotados. Todos aguardavam ansiosamente o pronunciamento de Dirceu.
Em sua fala, o ex-ministro declarou sua inocência nas acusações – parte do discurso foi o mesmo que Dirceu já expusera em Brasília antes de sua cassação na Câmara dos Deputados. ‘Era um replay do que já assisti na TV, ele repetia que as acusações que sofre ‘não são verdade’ com todo seu sotaque’, observou Priscila Almeida, aluna da UFRJ.
O ex-ministro acusou a imprensa de hipócrita, violenta e machista. ‘A imprensa brasileira sempre tomou partido nas decisões políticas do país, a diferença é que no tratamento com o PT há um preconceito de classes’, alegou.
Com a grande imprensa, o ex-ministro não parecia muito disposto a falar, mas não foi o caso com os alunos da UFRJ que faziam a cobertura do evento. Quando questionado sobre a contemplação da mídia como Quarto Poder, Dirceu não titubeou: ‘A mídia não é o Quarto Poder, ela é muito mais que isso. Ela não ocupa um vácuo do governo, ela quer e opera como governo, não levantando a voz do povo e sim falando pretensamente em nome do povo’. Para o ex-ministro, a imprensa alternativa, como a da Equipe do TJ.UFRJ, é fundamental para manter vivas as questões democráticas. ‘Pena que ao longo dos meus 40 anos de vida política, nunca tenha participado de um órgão da imprensa alternativa’, lamentou. E assim seguiu até seu carro, sem falar com os jornalistas de grandes órgãos que se acotovelaram para pegar carona nos estudantes.
Sobre o dito e o não dito
Felipe Mussa
No primeiro debate do evento Mídia da crise ou Crise da Mídia?, a frase ‘coisas não estão sendo contadas’ foi repetida por todos os palestrantes em seus discursos. Apesar dos convidados da mesa saberem que uma reportagem aponta pontos de vista, ficou claro que o que não está sendo dito é essencial.
A grande estrela do espetáculo seria o ex-ministro José Dirceu, evidentemente em função de toda a crise política do governo Lula. Mas o que ninguém esperava era que alguém roubasse a cena. Foi exatamente o que fez o jornalista Paulo Henrique Amorim, ao revelar fatos no mínimo interessantes sobre uma reunião na qual foi mediador.
Segundo ele, nessa reunião estavam presentes 350 representantes das maiores empresas brasileiras, além de toda a mídia televisiva e impressa. Porém, incrivelmente, nenhuma delas publicou informações relevantes. De acordo com Amorim, o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, teria afirmado que um dos motivos para a eleição do presidente Lula, segundo pesquisas do instituto, foi a mudança no perfil de seu eleitorado. A novidade ficou por conta de informações como a de que o PT só é favorito no Acre. Amorim citou ainda que Otávio Florisbal, representante da TV Globo, teria dito na mesma reunião que, a cada R$ 1 que é investido em propaganda no Brasil, R$ 0,42 centavos vão para a emissora de TV.
Para o jornalista, ‘95% da imprensa tenta abreviar ou desestabilizar o governo Lula; os outros 5% restantes se referem à revista Carta Capital. A Veja é um capítulo à parte; ou ela derruba o Lula ou o segundo mandato do Lula acaba com a Veja‘. No Plim, Plim, livro que lançará, Amorim ainda toca em dois assuntos polêmicos que se referem ao debate sobre midiocracia. Ele tenta explicar o porquê do governo Lula ser o mais criticado desde a Nova República, com base no fato de que ‘o Lula não tem um plano de comunicação do governo’, como respaldou o ex-ministro José Dirceu declarando que ‘o governo, em relação a mídia, aceitou o status quo‘. Amorim trata também sobre o fato que o governo Lula teria a responsabilidade de fundar um jornal ou mídia trabalhista e que a crise política foi na realidade um eufemismo para o impeachment. Instigado por uma afirmação de um espectador que disse que ele era muito discreto e que deveria ser mais ativo politicamente, o jornalista respondeu: ‘você não perde por esperar’.