Vale o escrito?
A Folha de S.Paulo publica, nesta sexta-feira, na íntegra, a carta enviada pelo presidente americano Barack Obama a Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil.
A mensagem diz claramente que os Estados Unidos apoiariam um acordo com o Irã como o que foi obtido pela diplomacia brasileira, junto com o governo da Turquia.
“Desde o começo, considerei a solicitação iraniana como uma oportunidade clara e tangível de começar a construir confiança mútua e assim criar tempo e espaço para um processo diplomático construtivo”, diz literalmente a carta de Obama.
O presidente dos Estados Unidos se refere claramente à proposta que foi levada e aprovada pelos dirigentes do Brasil e da Turquia, de transferir 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para fora do Irã, considerando-a “de importância fundamental para os EUA”.
Esse foi exatamente o termo do acordo obtido e confirmado oficialmente pelo governo iraniano junto à Agência Internacional de Energia Atômica.
Na carta, Barack Obama lembra ainda das tentativas anteriores de atrair o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, para um acordo, e afirma que os Estados Unidos continuariam levando adiante sua busca por sanções.
Os fatos que se seguiram ao anúncio do acordo entre Brasil, Irã e Turquia confirmam estritamente o que é enunciado na carta.
O que parece mais claro agora é que a imprensa internacional, e mais flagrantemente a imprensa brasileira, não conseguiram ou não tiveram interesse em esclarecer que o Brasil estava encarregado de liderar uma tentativa de atrair o Irã para um novo patamar nas negociações.
A carta de Barack Obama, cuja cópia foi obtida com exclusividade pelo jornalista Clóvis Rossi, esclarece tudo que os jornais haviam deixado obscuro ou distorcido nos dias anteriores.
Ainda não sabemos se o mundo ficou mais seguro depois da ação diplomática do Brasil no Irã, mesmo porque pipocam por todo lado novos focos de tensão, como o estado de guerra entre as duas Coréias e a viagem do navio com ajuda humanitária, patrocinado pela Turquia, para a Faixa de Gaza, que o governo de Israel ameaça obstruir.
O que não se pode negar é que o Brasil deixou sua posição subalterna nas relações internacionais para se tornar protagonista central de um processo de paz.
Imprensa na arquibancada
Alberto Dines:
– O colunista Clovis Rossi, da Folha de S. Paulo, não escreve sobre futebol, escreve sobre política e política internacional mas reclamou ontem contra uma “flafluzação” – isto é, a transformação das divergências brasileiro-americanas num grande Fla-Flu. Tem razão, mas quem está simplificando a questão é a grande imprensa, que acompanha os desdobramentos do acordo nuclear com o Irã como se fosse um clássico de futebol: sem meios-tons, sem análises mais aprofundadas e, sobretudo sem o suporte da pesquisa histórica.
Torcida não garante a vitória num Fla-Flu, nem em Copas do Mundo, ainda mais em uma grave crise internacional. Não é o primeiro confronto Brasília-Washington por causa de energia nuclear. O primeiro ocorreu em junho de 1975, portanto há 35 anos, durante o governo de Ernesto Geisel em pleno regime militar, quando o Brasil firmou um acordo com a Alemanha para a exportação do nosso urânio que lá seria enriquecido e consumido por suas 12 usinas. Em troca receberíamos financiamento, equipamento e a assistência técnica para enriquecer urânio para as usinas nucleares em Angra dos Reis.
Na ocasião, houve outro Fla-Flu e a mídia, embora parcialmente censurada, esteve ainda mais dividida do que hoje: a oposição de esquerda, nacionalista como o ditador Geisel, apoiava o acordo com o governo social-democrata da Alemanha, que os liberais recusavam porque fortaleceria o continuísmo dos militares. Do lado americano, estava o presidente Jimmy Carter, intransigente defensor dos direitos humanos. De lá para cá muita coisa mudou, mas não tudo. Ainda falta aprender a fazer diplomacia longe dos holofotes.