A coluna de B. Piropo, publicada na edição de 17 de abril do Globo, expõe em toda a sua plenitude a incapacidade da grande imprensa em enxergar o óbvio. Escreveu o simpático colega informata, cuja coluna acompanho há muitos anos, ao narrar a experiência vivida por um amigo dele:
Foi quando vi anúncios (…) do Oi Conta Total (…) que oferecia dois celulares Oi, um telefone fixo Telemar sem limite de pulsos, Velox de 1 Mbps e 200 minutos compartilhados entre ligações dos celulares, ligações do fixo para celular e interurbanos 31, tudo isso ao custo mensal fixo de R$ 229. Optei por ele.
Para minha surpresa, a atendente me disse que a Telemar nada tinha a ressarcir (…) Que, de acordo com o contrato do Oi Conta Total que eu assinei, os R$ 229 mensais são referentes somente aos telefones celulares. O contrato é somente um contrato de prestação de serviços de telefonia celular. A minha linha fixa e o meu Velox são somente benefícios do contrato.
Para demonstrar a sua indignação, afirmou:
O mais grave: a minha linha telefônica fixa também se transformou em um ‘benefício’. Ou seja, a Telemar também considera que tem apenas a ‘obrigação moral’ de consertar, porque meu telefone fixo é apenas um ‘benefício’ do contrato de telefonia celular…
Da narrativa do Piropo, podemos concluir que, no plano Oi Conta Total, a empresa de telefonia móvel Oi oferece como brinde a seus usuários uma linha fornecida pela concessionária de telefonia fixa Telemar, com franquia total de ligações. Estaria tudo bem, exceto pelo fato de a Telemar explorar o serviço de telefonia fixa (STFC) em regime público e, neste caso, a LGT obriga que a empresa ofereça a todos os usuários do STFC as mesmas condições oferecidas aos clientes da Oi, ou seja, linha grátis com franquia total de pulsos.
Um telerrinoceronte
Porém, como o STFC prestado em regime público tem a sua universalização e continuidade garantidos pelo governo, se a Telemar desse telefones ‘de grátis’ a todo mundo, no fim quem acabaria bancando tudo seriam os contribuintes, com recursos do tesouro nacional. Por outro lado, como a Telemar está dando telefones ‘de grátis’ apenas aos clientes da Oi, obviamente quem está bancando estes ‘telefones-brinde’ são os demais assinantes do STFC e esta aberração é conhecida como subsídio cruzado, em que usuários do serviço público patrocinam ‘brindes’ que ajudarão a expandir a base de usuários do serviço prestado em regime privado.
Vejamos o que diz a LGT:
Art. 103. Compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço.
§ 2° São vedados os subsídios entre modalidades de serviços e segmentos de usuários, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 81 desta Lei.
Art. 106. A concessionária poderá cobrar tarifa inferior à fixada desde que a redução se baseie em critério objetivo e favoreça indistintamente todos os usuários, vedado o abuso do poder econômico.
Art. 107. Os descontos de tarifa somente serão admitidos quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições, precisas e isonômicas, para sua fruição.
Considerando que a praia do Piropo é formada de bits & bytes, é até compreensível que não tenha visto o telerrinoceronte que passou na frente dele. Mas o artigo deixou o rinoceronte estacionado bem na porta do jornal O Globo, à espera de que algum jornalista antenado em assuntos de telecom ao menos note sua presença.
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Diretor para Assuntos Regulatórios da Associação Brasileira de Usuários de Acesso Rápido (Abusar); webmaster do site username:Brasil