Veja faz reportagem
A grande novidade da semana é que a revista Veja resolveu voltar a se interessar por jornalismo.
Nada muito original, nada muito especial, mas a reportagem sobre a Amazônia representa um esforço que a revista de maior circulação paga da América Latina não vinha fazendo há muito tempo.
A grande qualidade da edição de Veja é a escolha do tema.
O grande defeito é a ilusão arrogante de que pode oferecer um diagnóstico definitivo para a questão.
Talvez a melhor informação da reportagem seja um retângulo vermelho que representa, comparado com duas páginas abertas, o total do desmatamento ocorrido na floresta nas duas últimas décadas.
No mais, o corpo principal do texto é composto por respostas da revista a questões que ela chama de ‘senso comum’. Mas não explica de onde tirou esse tal de senso comum.
A tentativa de partir de suposições básicas para respostas complexas torna o resultado confuso.
A reportagem tem o mérito de reconhecer a importância da preservação da floresta, mas faltou citar e contextualizar as fontes que autorizam certas afirmações.
Não há como fugir da impressão de que os editores da revista estavam cumprindo uma tarefa, ainda que a contragosto.
Certos atos falhos, como dizer que algumas cidades plantadas em meio à floresta ‘são verdadeiros oásis no interior da selva’, revelam o que a revista pensa realmente da questão do uso da Amazônia.
A Editora Abril tem um interessante projeto chamado Planeta Sustentável, que centraliza o tratamento dos temas ligados aos problemas sócio-ambientais.
É desse núcleo editorial que partem as sugestões de pautas sobre meio ambiente, responsabilidade social e sustentabilidade para as publicações do grupo.
Veja parece ter recebido a pauta sobre a Amazônia como uma tarefa penosa em sua cota de assuntos politicamente corretos.
No meio das 22 páginas sobre a floresta, foram plantadas cinco páginas de publicidade do núcleo Planeta Sustentável e seus apoiadores.
Os leitores que conhecem o projeto ficam imaginando se a revista, por sua própria iniciativa, faria uma reportagem como essa a favor da preservação da Amazônia.
A despeito do esforço politicamente correto, Veja não consegue fugir de sua natureza: em toda a reportagem, não há sequer uma citação aos muitos projetos bem-sucedidos de agroecologia integrada sustentável, modelo que disputa espaço com o sistema das grandes propriedades monopolizadas pela agroindústria.
A edição é coroada por um artigo do economista Gustavo Iochpe, duas páginas de preconceito e desinformação sobre a verdadeira dimensão da questão ambiental.
Para o leitor que não alcançou a promessa anunciada pela reportagem, de sair ‘com um conhecimento bem mais objetivo da Amazônia’, o artigo é um manifesto a favor da exploração econômica da floresta.
No final, fica-se com a impressão de que os editores usam a ‘mão do gato’ para dizer no artigo o que não puderam ou não quiseram dizer na reportagem.
Mais um dossiê
Veja aparece com um novo ‘dossiê’, o gênero de jornalismo no qual se especializou nos últimos tempos.
O tom é o mesmo dos casos anteriores, e o processo segue a rotina: a revista publica suas denúncias, políticos fazem a repercussão e ganham notoriedade.
Mas será bom jornalismo?
Alberto Dines:
– Enquanto os estudiosos examinam com atenção o relatório sobre o Estado de Mídia dilvugado na semana passada, a nossa mídia continua oferecendo um espetáculo lamentável, lamentável e perverso. A Veja do último fim de semana acusa o governo de estar preparando um dossiê sobre os gastos da presidência da República no período 1998 a 2001, isto é, no fim do segundo mandato de FHC. Este dossiê, segundo o semanário, visa a intimidar a oposição na CPI dos Cartões Corporativos. Ora, se a revista acusa o governo de estar preparando uma chantagem, por que razão publicou dados sigilosos e aparentemente falsos, conforme declarou a ministra Dilma Roussef? Na corrida sensacionalista, inverteram-se os papéis: ao divulgar os dados, Veja inocenta automaticamente o governo e converte-se, ela própria, em agente e beneficiária da chantagem.