Dois pesos, medidas incertas
Uma ouvinte atenta deste programa e leitora do site Observatório da Imprensa na Internet observa que ela sabe tudo sobre o caso Isabella Nardoni.
Mas está sendo pouco informada sobre o julgamento dos assassinos da missionária Dorothy Stang, no Pará.
Os jornais informam detalhes sobre a família atingida pela tragédia na zona norte de São Paulo, expõem fotografias do interior de sua residência, escancaram as vidas de parentes do pai e da madrasta da menina morta.
A televisão acompanha as movimentações dos acusados, arrastando com suas câmeras a multidão que acompanha os repórteres para todo lado, transformando-se, ela também, a multidão, em protagonista da história.
Foi assim quando a imprensa acompanhou os depoimentos, a reconstituição simulada do crime, a detenção e liberação do casal, as movimentações de testemunhas e parentes, a prisão preventiva, a transferência da acusada para o presídio feminino.
Fotógrafos e cinegrafistas ainda permanecem à porta do prédio onde mora a família, e constantemente importunam os vizinhos na disputa por um posto privilegiado para flagrar sua intimidade; uma janela, um lugar perto da caixa d´água, um trecho de telhado.
Agora que o casal está preso, o que os repórteres vão fazer?
Ficar procurando frestas para registrar o banho de sol dos acusados?
Abordar policiais para saber o que eles comeram no almoço?
A leitora observa que, ao contrário, sabe-se pouco, através da imprensa, sobre o outro caso escandaloso, a absolvição do fazendeiro Vitalmino Bastos de Moura, acusado de ser o mandante do assassinato da religiosa Dorothy Stang.
Se havia provas, se eram consistentes, quem eram os jurados, se é verdade que o assassino recebeu cem mil reais para inocentar o mandante.
Os jornais noticiam hoje que o promotor Edson Cardoso de Souza pediu novo julgamento, por considerar que a decisao dos jurados contrariou as provas dos autos contra o fazendeiro Vitalmino Bastos de Moura.
A grande repercussão internacional da absolvição, que produziu comentários de ministros do Supremo Tribunal Federal e até do presidente da República, deve despertar a imprensa para a importância de olhar para aquela região.
É bem possível que, com maior atenção da imprensa, um novo julgamento venha a ser feito, em condições mais aceitáveis.
Mas não esperem os leitores e ouvintes que sua necessidade de saber mais seja satisfeita neste caso.
O crime que vitimou a menina Isabella, se comprovada a versão da polícia e da promotoria, é um desses casos que falam mais de baixos instintos e impulsos insanos de indivíduos, sobre os quais a sociedade e, portanto, a imprensa, pouco pode fazer.
O assassinato da missionária, ao contrário, é o retrato do abandono de algumas regiões do Brasil e um dos sintomas do descaso com que os sucessivos governos têm tratado a questão agrária na Amazônia.
Foi um crime premeditado, remunerado, e o trabalho da imprensa pode resultar em pressões sociais capazes de alterar aquela realidade.
Mas um caso assim é mais complexo, não dá pra transformar em novela.
Além disso, a Amazônia fica longe demais das grandes redações.
Longe das pautas
O prêmio Ortega Y Gasset, concedido há vinte e cinco anos na Espanha, destina-se a valorizar a imprensa livre e combativa.
Uma blogueira ganhou neste ano, mas não pôde comparecer à festa.
Ela é cubana e não foi autorizada a deixar o país.
A imprensa brasileira ignorou completamente o evento.
Alberto Dines:
– A grande festa do jornalismo espanhol transcorreu na noite de quarta-feira, sete de Maio. Ontem, El País, um dos melhores jornais do mundo, deu uma bonita chamada na sua capa e dedicou sete páginas à entrega do 25º Prêmio Ortega y Gasset dedicado como sempre à valorização da imprensa livre, valente e comprometida. O grande destaque da noite foi a cadeira vazia da blogueira cubana, Yoani Sanchez, filóloga, que não foi autorizada a deixar seu país para receber o galardão referente ao jornalismo digital. O blog de Yoani Sánchez, Geração Y, é uma dos maiores fenômenos da internet. Está no ar apenas desde março do ano passado e há poucos dias a sua autora foi incluída pela revista Time entre as 100 personalidades mais influentes do mundo. Na entrevista que concedeu a El País Yoani Sánchez diz que está surpresa com a repercussão mundial das suas ‘vinhetas desencantadas’ sobre a realidade cubana. ‘O fato de que repararam numa pessoa tão simples com eu me surpreende gratamente. Estamos acostumados em ver sempre os famosos recolhendo os louros.’ Como é do seu feitio, Yoani não fez um comício, apenas remarcou a sua passagem para Junho próximo. E declarou ao El País: ‘As mudanças chegarão a Cuba. mas não através do script do governo’. A grande mídia brasileira passou ao largo do evento. Nenhuma linha a respeito. Os porteiros das redações estão ocupados com questões mais relevantes e sensacionais. As idéias da quieta e determinada filóloga de Havana, aqui não encontram eco. O problema não é dela, é nosso.