A boa vida em Brasilialândia
O Estado de S.Paulo, a Folha e o Globo resolveram passar o pente fino no Congresso Nacional, para dar aos seus leitores uma idéia mais clara do parque temático em que Brasília se transformou.
É a Brasilialândia.
A minissérie dos desmandos começou no sábado, quando os três jornais alinharam algumas descobertas.
Primeiro, constatou-se que, além de presentear parentes e amigos com passagens aéreas das cotas destinadas a viagens entre a capital federal e suas bases parlamentares, muitos deputados costumavam vender bilhetes através de uma agência de turismo.
O esforço de reportagem também revelou que os gastos com passagens aéreas e outas despesas de viagem nos três poderes federais aumentaram 56% no primeiro trimestre deste ano, em que sabidamente o resto do mundo enfrenta grave crise financeira.
Finalmente, ainda no sábado, o leitor ficou sabendo que os senadores e seus familiares têm direito a um benefício que o brasileiro comum nem consegue imaginar: eles possuem seguro-saúde vitalício.
Ainda no sábado, a revelação de que o ex-diretor de Recursos Humanos do Senado João Carlos Zoghbi havia usado sua ex-babá como “laranja” para receber mais de dois milhões de reais em empréstimos abria o véu sobre outra vertente de escândalos, ainda não devidamente desvendada pela imprensa: falcatruas com o crédito consignado para funcionários do Legislativo.
O domingo inaugurou as tentativas canhestras de alguns parlamentares de defender publicamente seis privilégios.
Foram soterrados por novas revelações da imprensa.
Uma delas: os benefícios que recebem chegam a triplicar os ganhos de deputados e elevam os vencimentos reais dos senadores a até 120 mil reais por mês.
Um destaque, como uma espécie de “honra ao mérito” entre os descalabros constatados no Congresso: registro especial para o deputado Eugênio Rabelo, do PP do Ceará, que comprou com dinheiro da Câmara 77 passagens aéreas para atletas e dirigentes do Ceará Sponrting Club.
Mas, diria o último dos eleitores que ainda acredita nos seus representantes, pelo menos eles trabalham, eles produzem leis.
Não. No meio da enchurrada de denúncias, ainda ficamos sabendo que, neste ano, a Câmara dos Deputados votou somente quatro projetos de lei.
O trabalho da imprensa não deixa dúvida de que não há paliativo possível.
O Poder Legislativo precisa urgente de uma reforma estrutural.
Mas, começar por onde?
E quem vai fazer a faxina, se os faxineiros são os mesmos que produzem e vivem do lixo institucional?
O Globo errou a mão
Alberto Dines:
– Políticos eventualmente tiram partido até de notícias ruins, mas a quase-candidata à presidência, Dilma Roussef, teria preferido ir para as manchetes em situação diferente. O tratamento para neutralizar o linfoma extraído há três semanas e confirmado oficialmente no sábado tem todas as condições de ser bem-sucedido, mas como a própria ministra declarou, este é mais um grave desafio que deverá enfrentar. Sozinha.
É também um novo desafio a ser enfrentado por nossa mídia que ainda não encontrou maneira de equilibrar seu inalienável compromisso de ser veraz e manter a sociedade informada com o imperioso dever de tratar com humanidade e delicadeza aqueles que enfrentam situações pessoais dolorosas.
A manchete de primeira página de ontem do Globo falava em tratamento prolongado de um câncer e abalo em sua candidatura. Tanto as palavras câncer como tratamento longo não poderiam ser omitidas ou disfarçadas, representam a verdade científica porque não se trata de suspeita, é diagnóstico confirmado.
Mas a afirmação de que a candidatura sofreu um abalo tem algo de apelativo, é sobretudo pouco solidária. Pressupõe dificuldades, dor, sofrimento. Riscos.
Políticos também merecem compreensão mesmo quando não merecem a simpatia e o voto. Nem heroína nem objeto político, a ministra Dilma Roussef precisa ser tratada como ser humano.