Jornalismo político
Mudando a receita
Viciados na linguagem agressiva dos confrontos, os jornais brasileiros de circulação nacional demonstram alguma dificuldade para lidar com os fatos produzidos pelo atual governo.
Sem as frases controversas do ex-presidente Lula da Silva, o jornalismo político parece carente de munição para seu noticiário alimentado por declarações.
O desconforto é evidente em artigos, editoriais e reportagens, como se a imprensa estivesse avaliando que posição tomar na ausência de seu velho desafeto.
A reportagem principal do Globo neste domingo, dia 6, reflete essa tentativa de entender a nova presidente da República.
“Atos de Dilma afastam governo do estilo Lula”, diz a manchete do jornal carioca.
Outros diários, como a Folha e o Estado de S.Paulo, já haviam analisado o temperamento mais discreto da presidente Dilma Rousseff, mas o Globo faz a primeira declaração explícita de que há um novo relacionamento em curso entre a imprensa e o Executivo federal.
O Globo parece impressionado pelo fato de que uma mulher na Presidência da República venha a estabelecer um estilo completamente diferente do de seu antecessor.
O jornal se surpreende porque a presidente “demonstra ter rumo próprio”, como se os editores tivessem assumido como verdadeiras afirmações feitas pela oposição durante a campanha, de que o ex-presidente Lula da Silva estava impondo uma sucessora sem experiência eleitoral como forma de se manter no poder indiretamente.
O jornalismo político brasileiro é feito, há muito tempo, com uma receita básica: apanha-se, ou se provoca, uma declaração do governo ou da oposição, tempera-se com uma pitada de comentários por meio de editoriais ou artigos, cozinha-se esse conteúdo na fervura de Brasília e serve-se a polêmica reforçada com novas declarações.
O hábito do ex-presidente Lula de produzir frases ruidosas alimentava essa pauta única.
Sem a fartura de declarações, a imprensa terá que reaprender a fazer reportagem política.
Definições apressadas
Alberto Dines:
– Está evidente na cobertura do levante popular no Egito que a mídia já não pode ser avaliada segundo padrões locais; seus procedimentos e reações tornaram-se genéricos, corporativos. Por mimetismo ou pressa o que era instinto converteu-se em paradigma. No trabalho de campo seria possível identificar diferenças: repórteres fluentes em árabe e com o domínio dos antecedentes, certamente produzirão material mais palpitante e mais profundo, porém as portarias das redações a milhares de quilômetros de distância trabalham com padrões de exigência cada vez mais assemelhados.
A necessidade de carimbar as coberturas com um selo ou vinheta logo nos primeiros momentos para servir de referência nos dias seguintes produz simplificações e distorções. A “revolta do mundo árabe” é uma etiqueta muito apelativa, mas, por enquanto, wishfull thinking imaterializado: ditaduras mais antigas e talvez mais encarniçadas do que a de Hosni Mubarak – como a da Líbia e da Síria – se mantêm intocadas e inabaláveis.
Muammar al-Khaddafi (ou el-Gadafi) está no poder há 42 anos. Bashar al-Assad faz parte da segunda geração de ditadores da Síria: seu pai ficou 29 anos no poder e quando morreu de um ataque cardíaco em 2000 o filho o sucedeu. Juntos, os Assad batem Mubarak em 10 anos. O fato de ser formado em medicina, treinado na Inglaterra como oftalmologista e ter casado com uma elegante inglesa de origem síria, até o momento não produziu qualquer abrandamento do regime.
Uma avaliação mais precisa do que aconteceu no Egito começou a aparecer neste domingo nos jornalões brasileiros quando os enviados Samy Adghirni (Folha) e Jamil Chade (“Estadão”) trouxeram para os seus leitores um ângulo até agora intocado: desde a queda da monarquia em 1952, a chefia do Estado egípcio jamais foi ocupada por um civil. O general Muhammad Nagib, líder do grupo de “Oficiais Livres” que derrubou o rei Faruk foi derrubado dois anos depois pelo carismático coronel Gamal Abdel Nasser.
O coronel Nasser manteve-se 18 anos no poder e foi substituído por seu amigo Anwar al-Sadat, outro destacado militar do grupo dos “Oficiais Livres”. Quando foi assassinado em 1981 durante um desfile militar quem o substituiu foi o comandante da Força Aérea que estava ao lado e ferido levemente: Hosni Mubarak.
Neste domingo, ao criticar frontalmente a participação dos militares na transição, o Nobel Muhammad el-Baradei, tocou numa questão crucial. Se levar adiante a cruzada civilista terá iniciado uma efetiva revolução no mundo árabe. Convém pensar desde já num ‘tag” mais forte e mais chamativo.