Na segunda-feira (24/4), o programa Linha de Passe, da ESPN-Brasil, foi palco de uma cena inesquecível. A propósito da queda do agora ex-técnico do Palmeiras, Émerson Leão, depois da catastrófica goleada de 6 a 1 para o Figueirense, Juca Kfouri e Paulo Vinícius Coelho, o PVC, debatiam o alviverde e sua conjuntura. Davam uma aula a respeito desse clube quatro vezes campeão brasileiro, o único que batia o grande Santos de Pelé, e situavam a atual crise do Palestra jornalística, política e futebolisticamente.
Para quem se acostumou com os debates do canal, era um prato cheio. Eis que, de repente, a ótima discussão travada com a competência técnica de PVC e o humor inteligente Kfouri foi interrompida pela grotesca intervenção do chefe José Trajano, useiro e vezeiro na arte de humilhar subordinados no ar, como fez mais de uma vez com Paulo César Vasconcellos (hoje no Sportv); ou de fazer reportagens ridiculamente emocionadas nas arquibancadas do Rio de Janeiro quando seu falido América chega a algum jogo decisivo.
Com a sutileza de um elefante, ignorando inclusive a notícia do dia (a queda de Émerson Leão), o chefe botou um basta no assunto Palmeiras (do tipo quem manda aqui sou eu), dizendo que aquilo não era programa para discutir política. Uma cena que, pelo menos a mim, causou constrangimento – sentimento semelhante ao que senti ao assistir às experiências humilhantes de Vasconcellos, que levava os cala-bocas e tinha que ficar quieto.
Título imaginário
Ou não tinha? Pois o apresentador do Linha de Passe, o simpático Paulo Soares, conhecido como Amigão, não ficou quieto. De repente, para a perplexidade geral, inconformado com a atitude recorrente de José Trajano, levantou-se e deixou o programa em pleno ar, enquanto o chefe, atônito, chamava os comerciais. Na volta, não estavam no estúdio nem o apresentador nem Trajano. Ironicamente, Juca Kfouri – ladeado por PVC, ambos acompanhados de Márcio Guedes e Fernando Calazans – levou o programa até o fim no improviso, e ainda muito se falou de Palmeiras.
Quiçá todos os déspotas que assolam a humanidade e o jornalismo tivessem uma resposta como a que deu Paulo Soares. Cabe registrar quão curioso é o fato de toda a cena ter acontecido a partir da discussão sobre a queda do técnico Leão, personalidade reconhecidamente autoritária. Uma coincidência didática. Sem o Amigão, o Linha de Passe perde muito. Sem Trajano, talvez nada.
O tom conciliatório com que Kfouri terminou o programa foi do tipo ‘semana que vem tudo estará acertado’. Claro, o assinante tinha que ter uma resposta ao tumulto e à grosseria. Para a ESPN Brasil, porém, esse tipo de cena folclórica mas nada profissional pode ser, a longo prazo, catastrófico.
Não sei o motivo que levou Paulo César Vasconcellos, Claudio Carsughi e Milton Leite a debandarem da ESPN Brasil. Mas se o canal continuar a sofrer desfalques importantes como esses, vai chegar um dia em que José Trajano estará sozinho, com a camisa do América, na frente do espelho, comemorando um título imaginário que nunca mais virá. E os ex-assinantes do canal, nesse horário, sem opção, assistirão ao enfadonho e insípido show global do Galvão Bueno. Ou, como eu, desligarão a TV.
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Jornalista