Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Um caso para Hercule Poirot
>>A imprensa perdeu o pique

Um caso para Hercule Poirot

O caso do assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel vem à tona com o julgamento, à revelia, do principal acusado, Marcos Roberto Bispo dos Santos, que continua foragido.

O assassino foi condenado a dezoito anos de prisão. Ele foi identificado como o motorista de um dos carros que foram usados para interceptar o ex-prefeito, na noite de 18 de janeiro de 2002.

Sequestrado, Celso Daniel ficou em cativeiro por 24 horas e foi encontrado morto com oito tiros numa estrada vicinal em Juquitiba, cidade próxima a São Paulo.
 
Marcos Roberto chegou a confessar sua participação no crime, mas posteriormente declarou ter feito a confissão sob tortura.

Seu advogado chegou a afirmar que o então deputado federal pelo PT Luiz Eduardo Greenhalgh teria participado das sessões de tortura.

Esses e outros elementos transformam o caso em um enredo digno de filme policial, mas a imprensa não tem demonstrado capacidade para ir além das informações oficiais e declarações de personagens envolvidos direta ou indiretamente, como os familiares da vítima.

O Globo alinha alguns episódios relacionados com o crime, lembrando que pelo menos sete pessoas que tinham algum vínculo com o assassinato morreram em circunstâncias estranhas.

Dionísio Severo, acusado de organizar a quadrilha que sequestrou e matou o prefeito, foi morto numa cadeia do Pará antes de depor sobre o caso.

Um comparsa que o abrigou depois do crime foi metralhado em sua casa.

Um investigador de polícia ligado ao grupo também foi assassinado, assim como o agente funerário que identificou o corpo do prefeito.

Também foi morto o garçom que atendeu Celso Daniel na noite do sequestro, quando jantou com seu ex-assessor Sergio Gomes da Silva, e a única testemunha da morte do garçom.
 
Agatha Christie não faria melhor.

A versão do promotor do caso, que relaciona a morte do prefeito a desvios de dinheiro público para campanha eleitoral, envolve figuras importantes da República, mas ainda está para ser provada.

Os próximos julgamentos só deverão acontecer em 2012.

Até lá, a imprensa tem bastante tempo para revirar o caso e colher evidências.

Mas por enquanto seu único interesse tem sido ligar o assassinato a um assessor muito próximo do presidente da República.
 
A imprensa perdeu o pique

Alberto Dines:

– Vinte dias depois de terminada uma das mais renhidas campanhas eleitorais, a chamada grande imprensa ainda não conseguiu reencontrar-se. Parece nocauteada: não recuperou a sua energia, entonação, nem a velha dimensão. Perdeu o jeito – na verdade a grande imprensa ficou pequena. Não conseguiu adaptar-se à súbita mudança nas esferas do poder.

Parece de ressaca. Não percebeu que até o dia 31 de Outubro dependia exclusivamente do presidente da República, era viciada em Lula, ele comandava o espetáculo, ele comandava o noticiário. Agora, o presidente recolheu-se, passou a operar nos bastidores enquanto a sucessora está completamente absorvida pelo desafio de montar a sua equipe, organizar as prioridades, montar os bastidores e as rotinas.

É preciso reconhecer que o poder também não se encontrou, nem se consolidou. Dilma Roussef levará algum tempo para encontrar um estilo e descobrir o seu tom. Neste clima generalizado de intervalos, onde impera o silêncio depois de um longo e cansativo berreiro, fica visível que a imprensa está patinando, perdeu as referências, não tem onde agarrar-se, sobretudo está exibindo sem qualquer disfarce a sua velha fraqueza: não sabe viver sem declarações.

Pior: precisa ser pautada, não tem agenda própria. Não sabe ver o mundo, muito menos colocar-se nele. Sem o ENEM e a débâcle de Silvio Santos. teríamos os jornalões tratando apenas de crimes e futebol. O Natal promete ser lucrativo, isso basta já que nossos jornais são uma extensão do comércio. Depois virá o verão com as suas banalidades.

O quadro é ainda pior na mídia digital que no Brasil, aliás, só existe como reverberação, incapaz de inventar-se para ocupar os espaços que uma mídia impressa, cansada, lhe oferece graciosamente. O encerramento da primeira década do século XXI merecia olhares mais atentos e ânimos mais acirrados.