Tapando a crise com a peneira
Os jornais engrossam o esforço para minimizar as consequências do grotesco bate-boca protagonizado na quinta-feira pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ministro do STF Joaquim Barbosa.
A imprensa tenta esclarecer as divergências que democratizam o plenário da corte suprema, traçando os perfis dos magistrados, suas origens e tendências políticas, mas dá amplo espaço para declarações segundo as quais não há uma crise no STF.
É como se o Brasil oficial, aquele que preenche a agenda política e alimenta o noticiário com suas declarações e querelas, pretendesse criar um limite para o que o público pode ou não pode saber sobre os bastidores dos poderes da República.
Acontece que o episódio foi transmitido pela TV Justiça, ao vivo, e, capturado por internautas, está disponível para quem queira assistir.
Mas recomenda-se tirar as crianças da frente do computador. O espetáculo não homenageia as instituições democráticas.
O Globo, que ultimamente tem aplicado certo humor de gosto duvidoso sobre temas de alta gravidade, saiu para o lado da galhofa.
O texto em questão, que ocupa uma página inteira, compara a discussão entre os magistrados a uma briga de rua.
Mas no meio da blague, o autor do texto observa que a referência de Barbosa a supostos “capangas” de Gilmar Mendes produz “uma boa linha investigativa”.
Está aí, de fato, uma pauta que atiça a curiosidade dos leitores.
Mas será que os jornais vão se interessar?
E o que há por trás do desentendimento entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, personagem corriqueira na mídia, e o ministro que se notabilizou por aceitar a denúncia contra os acusados do escândalo chamado de mensalão?
Segundo revelam os jornais, além de desentendimentos pessoais de longa data, entre os quais despontam certas referências étnicas, os dois magistrados sustentam no plenário pesadas divergências de fundo doutrinário.
O ministro Joaquim Barbosa, primeiro e único representante de afrodescendentes a chegar ao Supremo Tribunal, defende a atuação agressiva da Polícia Federal e do Ministério Público nos crimes de colarinho branco.
O presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, manifesta-se publicamente contra o que chama de abusos nas investigações, e tem tomado decisões controversas em pedidos de habeas corpus de réus de grande repercussão.
Discretamente, a imprensa pende em favor de Gilmar Mendes, mas Joaquim Barbosa parece contar com maior apoio do público.
A crise que a imprensa tenta abafar não deixa de existir se sair do noticiário.
Faltou vigilância
Alberto Dines:
– A culpa é da imprensa. Outra vez o velho refrão. Agora são os congressistas reclamando contra a pressão exercida principalmente pelos grandes jornais, a propósito da farra das passagens aéreas. Pergunta-se: onde é que são divulgadas estas reclamações contra a imprensa? Na imprensa, evidentemente.
A imprensa é o espelho da sociedade, as coisas acontecem na imprensa, ela existe para isso. Mas é preciso lembrar que os responsáveis pela onda de denúncias foram os próprios parlamentares que usam a imprensa para atender os seus interesses.
Primeiro foi o grupo do senador acreano Tião Viana que perdeu a disputa pela presidência da Câmara Alta e vazou para a imprensa informações que comprometiam o vitorioso, José Sarney.
Os sarneysistas responderam revelando a história do telefone do senador Viana emprestado à sua filha numa viagem particular ao México.
Então apareceu um excelente site de monitoração legislativa, “Congresso em foco” que começou esmiuçar as incríveis histórias das passagens aéreas, sobretudo ao exterior (quase duas mil viagens internacionais em dois anos, conforme revelou O Globo, ontem).
Estes ataques contra a imprensa são ridículos: todas as denúncias foram comprovadas, nada é inventado.
Aqueles que não se beneficiaram deveriam ser os primeiros a exigir mais compostura dos seus pares em vez de reclamar contra jornais e jornalistas.
A verdade é que a imprensa tem culpa, tem uma enorme culpa – deveria ter começado esta vigilância há muitos anos. Só assim teríamos evitado o atual vexame.